Alcolumbre, o imperador do Amapá (e das emendas parlamentares)
O senador Davi Alcolumbre (União-AP) é provavelmente o exemplo mais bem acabado de como as emendas parlamentares estão adoecendo a política brasileira. Por causa delas, ele se tornou uma espécie de imperador do Amapá. Desde que ocupou a presidência do Senado, entre 2019 e 2021, seu manejo dos recursos orçamentários é o principal motivo para … Continued
O senador Davi Alcolumbre (União-AP) é provavelmente o exemplo mais bem acabado de como as emendas parlamentares estão adoecendo a política brasileira. Por causa delas, ele se tornou uma espécie de imperador do Amapá.
Desde que ocupou a presidência do Senado, entre 2019 e 2021, seu manejo dos recursos orçamentários é o principal motivo para que seja lembrado na conversa pública.
Ele fez disso o seu metiê, a sua marca. Não há grandes propostas legislativas que possam ser associadas ao seu nome.
Um de seus primeiros atos na chefia do Senado, em abril de 2019, foi conduzir no plenário uma votação que facilitava o uso de emendas pelos parlamentares. Ao deixar a cadeira, dois anos mais tarde, ele foi louvado pelos colegas por sua habilidade na gestão de emendas.
Vale lembrar que Alcolumbre chegou ao seu cargo de maior destaque até hoje com uma plataforma que prometia dar maior transparência às ações do Senado. Já em meados de 2022, contrariando uma ordem explícita do STF, ele era um dos senadores que mais resistiam a apresentar informações sobre as emendas do orçamento secreto de que havia se beneficiado.
Emendas, emendas, emendas
Nesta terça-feira, 16, a Folha de S. Paulo relatou que nos últimos meses emendas de Alcolumbre direcionaram R$ 268 milhões do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e outros R$ 86,5 milhões da Companhia de Desenvolvimento do Vales do São Francisco (Codevasf) para obras viárias no Amapá.
O que chama atenção é que, nos dois casos, a empreiteira LB Construções conquistou os contratos para tocar os trabalhos. Seu dono é Bruno Chaves Pinto, segundo suplente do senador e filiado ao mesmo partido, o União Brasil.
No final do ano passado, outra reportagem, dessa vez do UOL, mostrou que em 2021 Alcolumbre foi o parlamentar que mais se beneficiou de verbas do Ministério da Defesa para obras de infraestrutura país afora. Ele ficou com R$ 264,2 milhões de um total de R$ 1 bilhão que saiu dos cofres da pasta.
Por que o Ministério da Defesa bancou obras de infraestrutura? Segundo o texto, porque esse foi o caminho encontrado pelo governo federal, então ocupado por Jair Bolsonaro, para continuar “honrando” os compromissos assumidos com parlamentares depois que a execução do orçamento secreto foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal.
Atualmente, Alcolumbre preside a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante do Senado. Os sinais de que ele continua utilizando o poder de que dispõe para direcionar recursos ao seu reduto político são inegáveis.
Recentemente, uma liberação maciça de dinheiro para o Amapá – R$ 73,9 milhões – segui-se à confirmação da data para as sabatinas de Flávio Dino e Paulo Gonet para o STF e a Procuradoria-Geral da República. O grosso das emendas não era de Alcolumbre e sim da bancada de seu estado, mas ele sabe como se beneficiar delas.
As redes sociais do senador registram de modo quase infalível cada tostão que chega ao Amapá com sua intermediação. Quando isso não acontece, o trabalho de divulgação é feito localmente.
Mas não é justo que seja assim? Não é papel de um senador conseguir “levar progresso” ao seu estado?
O Império do Amapá
Um dos problemas é que Alcolumbre limita sua atuação quase que inteiramente a isso, tendo incentivos racionais para fazê-lo.
O cargo de senador é majoritário, ou seja, costuma depender de votos de várias, quando não de todas as regiões de um estado.
Uma peculiaridade do Amapá é contar com apenas 16 municípios. Com seus milhões e milhões em emendas, Alcolumbre faz chover dinheiro sobre cada uma dessas cidades. E consegue divulgar sua influência com muito mais facilidade do que um senador, digamos, de São Paulo, com seus 645 municípios.
Isso lhe proporciona uma base extraordinária para interferir na política local e, óbvio, assegurar reeleições.
Por isso, retornando ao começo deste texto, as emendas parlamentares, da maneira como estão se afigurando – cada vez mais volumosas e de execução cada vez mais incontornável – se constituem num veneno: elas favorecem a criação de feudos e bloqueiam a renovação política (o que é de interesse dos parlamentares, mas não do eleitorado).
O Amapá onde Alcolumbre impera é um laboratório onde esse processo pode ser verificado com enorme clareza.
Essa é uma deformação do sistema político, por meio da qual a classe dos maganos de Brasília se beneficia em detrimento de todos os demais. É claro que as emendas parlamentares dão ensejo a outros males, como o desperdício de dinheiro público em obras mal executadas e desnecessárias (uma especialidade do Dnit e da Codevasf), além da corrupção. Mas isso é assunto para outros mil artigos.
E tem ainda a corrupção
Fiquemos num único exemplo, para encerrar. No último dia 12, outra reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que obras bancadas por emendas de Alcolumbre, em conjunto com outros políticos do seu estado, tiveram irregularidades detectadas pela Controladoria Geral da União (CGU).
Mais uma vez, a empresa que venceu a licitação está ligada a políticos. A ex-deputada estadual Francisca Favacho abriu sua empreiteira em 2017, logo depois de o convênio que viabilizou a construção ter sido assinado entre o governo federal e a cidade de Macapá.
Como sempre, Alcolumbre tirou sua casquinha quando a obra foi inaugurada. “Mais uma obra de revitalização turística para a capital feita com recursos do senador Davi Alcolumbre”, anotou o seu site oficial.
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