Congresso e governo querem dinheiro, mas gastam muito mal
A cobertura jornalística sobre a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), concluída nesta terça-feira, 19, concentrou-se em dois assuntos: déficit fiscal e volume de recursos para emendas parlamentares. Tudo bem, são questões importantes. Mas...
A cobertura jornalística sobre a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), concluída nesta terça-feira, 19, concentrou-se em dois assuntos: déficit fiscal e volume de recursos para emendas parlamentares.
Tudo bem, são questões importantes.
Mas, no momento em que o Congresso e o governo estabelecem as bases para o gasto público em 2024, falta cobrar dos políticos uma resposta simples e clara, que todos o país seja capaz de entender, a respeito dos objetivos que se pretende atingir e de como será medida a eficiência desse enorme desembolso de dinheiro.
No Papo Antagonista desta terça, perguntamos à deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP), que também é professora da FGV e estava bastante engajada nos debates sobre a LDO, se era possível extrair essas respostas daquilo que vinha sendo dito na Câmara. Sua réplica foi contundente: não, a qualidade do gasto público não está no radar da maioria dos parlamentares.
Em 2017, uma missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) visitou o Brasil a convite do governo federal para estudar a eficiência dos nossos gastos públicos. O relatório foi divulgado no final do ano seguinte. Descobriu-se um gap de eficiência de 39% entre o Brasil e países de economia comparável.
O maior problema detectado foi a “falta de priorização estratégica de investimentos, seleção e avaliação de projetos”. Vale a pena ler o trecho completo do documento, apesar da linguagem durona do órgão técnico:
“Falta orientação superior na escolha de prioridades e a coordenação entre os níveis de governo é ruim. Não há padrões comuns para a seleção e a avaliação dos projetos que vão ser executados. Essa fragilidade com frequência resulta em projetos de baixa qualidade, que terão problemas na sua implementação. Isso, combinado com a falta de competências a nível subnacional e entre ministérios, má gestão de projetos e financiamento incerto, contribui para resultados inferiores de execução, estouro de gastos, atrasos e infraestrutura de má qualidade.”
O texto acima vale para investimentos em infraestrutura, mas a situação não é diferente na implementação de outros tipos de política pública.
Quer uma prova?
Desde 2019, o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP), hoje subordinado ao Ministério da Fazenda, vem medindo os resultados de programas que seleciona a cada ano – foram 60 até agora.
O último balanço publicado diz respeito a 11 políticas públicas destacadas para acompanhamento ao longo de 2022.
Entre as recomendações que o CMAP fez aos gestores dos programas estavam obviedades como “Garantir a existência de modelo lógico para orientar a política” e “Instituir ou fortalecer mecanismo de governança, com atribuições bem definidas, articulação, priorização e gestão de riscos”.
Tudo óbvio, mas pelo jeito ninguém estava atento a essas necessidades, ou as recomendações não teriam de ser feitas. Estamos falando de 2022.
As questões do déficit fiscal e das emendas parlamentares, que atraíram tanta atenção nos últimos dias, estão intrinsecamente ligadas à da eficiência nos gastos públicos.
Em vez de entregar o déficit zero prometido pela LDO, Lula quer licença para gastar mais no ano que vem. Que mostre então que sabe mesmo o que fazer com os recursos. Está certíssimo exigir disciplina fiscal de governos que jogam dinheiro no lixo com obras e programas mal planejados.
Quanto às emendas parlamentares, elas se tornaram um dos grandes nódulos de irracionalidade no uso do nosso dinheiro.
Já escrevi em outras ocasiões: a única lógica que rege esse tipo de gasto é o interesse do parlamentar, que satisfaz sua base política (os seus “clientes”) sem se preocupar se a cidade vizinha precisa muito mais do investimento.
Isso não é política pública, é gasto eleitoral.
O Congresso vem se apoderando de fatias cada vez maiores do Orçamento. Há R$ 37 bilhões reservados para emendas parlamentares em 2024. A qualidade desse tipo de gasto é ainda pior que a do Executivo. Se os parlamentares têm essa fortuna a sua disposição, precisam responder a padrões muito mais elevados de prestação de contas do que os hoje existentes.
Mas eles só vão ceder se a buzina tocar ininterruptamente em seus ouvidos – e num volume ainda mais alto em época de votação de LDO.
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