“Após deslizar por 500 perfis no Tinder, é natural ser cínico sobre o amor”
Blake Smith, historiador americano, investiga como o mundo digital transformou o amor e o desejo, destacando a crise do romantismo
Blake Smith publicou no UnHerd, nesta quinta (13), artigo intitulado “Como a internet perverte o desejo”. Ele analisa as transformações do amor romântico na era digital, questionando se a internet arruinou o romance. Com base em observações sociológicas e filosóficas, Smith explora como as novas tecnologias moldam nossos relacionamentos e desejos.
“Mesmo figuras públicas que defendem relacionamentos estáveis enfrentam a crise do amor romântico,” escreve Smith, destacando como o divórcio se tornou comum, mesmo entre casais que idealizam o matrimônio como um pilar da sociedade. Isso demonstra que, apesar da valorização pessoal ou da promoção de ideais amorosos, essas práticas não garantem a durabilidade das relações. Para Smith, o conceito de amor romântico precisa ser reavaliado.
Smith cita a socióloga Eva Illouz, referência mundial no estudo do amor. Em sua obra Consuming the Romantic Utopia, Illouz argumenta que os ocidentais exigem muito de suas relações amorosas: paixão avassaladora, estabilidade doméstica e igualdade entre os parceiros, tudo isso temperado com resquícios do sistema de gêneros tradicional. “Colocamos demandas incríveis, até impossíveis, no amor — e nos amantes,” aponta Smith.
Na era digital, porém, esses desafios se ampliaram. Illouz identifica como a internet molda o desejo, tornando-o quase pornográfico. “Após deslizar por 500 perfis no Tinder, é natural sentir cinismo sobre o amor — e continuar deslizando,” observa Smith, ecoando a crítica de Illouz em Cold Intimacies. Para ela, o excesso de opções e a “rotinização” dos encontros online levam ao desencanto.
Outro impacto apontado por Illouz, em Why Love Hurts, é o acesso prévio a informações sobre o outro. Antes, o desejo surgia de visões fugazes e idealizadas, como em Dante ou Petrarca. Hoje, basta “ciberespionar” um crush para transformar o outro em “uma série de objetos virtuais,” manipulados para satisfazer fantasias solitárias. “Esse tipo de desejo é autogerado e ancorado em objetos tecnológicos,” afirma Illouz, destacando o afastamento entre desejo e conexão real.
Embora pensem que a internet esvazie o desejo, Illouz contrapõe filósofos como Byung-Chul Han, propondo que a tecnologia cria um tipo incomum de anseio que não se integra aos conceitos tradicionais de amor. Esse desejo digital, “quase pornográfico,” alimenta fantasias privadas e reforça a solidão.
A reflexão de Smith converge para a necessidade de uma nova ética da vida erótica. Enquanto terapeutas ensinam a lidar com emoções e tradições morais tentam canalizar desejos, a era digital requer habilidades inéditas para transformar o amor em algo real e sustentável. Apesar de tudo, “alguns ainda encontram amor online — e precisamos entender como conseguem.”
Quem é Blake Smith
Blake Smith é historiador americano, especialista em França moderna e literatura francófona. Pesquisador na Universidade de Chicago, traduz obras contemporâneas e colabora regularmente com revistas como Tablet.
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