O nepoditador que fez a farra com dinheiro brasileiro e patrocinou escola de samba
Documentos revelam esquema bilionário envolvendo construtora brasileira e filho de ditador da Guiné Equatorial

Documentos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) e seus parceiros, incluindo a revista piauí, revelam um vasto esquema de corrupção na Guiné Equatorial, um pequeno país africano rico em petróleo.
Uma empresa de construção portuguesa, Zagope, subsidiária da gigante brasileira Andrade Gutierrez, teria direcionado milhões de dólares para uma companhia controlada por Teodoro Nguema Obiang Mangue, conhecido como Teodorín, filho do longevo ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, atual “vice-presidente” do país. Em troca, a Zagope conseguiu contratos estatais que totalizam quase 1,2 bilhão de dólares, muitos deles ligados a projetos de infraestrutura megalomaníacos que foram abandonados ou subutilizados.
O esquema acontece em um país onde, apesar da riqueza petrolífera descoberta nos anos 1990, a maioria da população vive na pobreza, e a elite política, dominada pela família do presidente, também controla a economia. Investigações internacionais nos Estados Unidos, França e Brasil expuseram o estilo de vida luxuoso e as práticas corruptas de Teodorín, mas isso não impediu a Zagope de continuar fazendo pagamentos suspeitos à Somagui, empresa de Teodorín.
Contratos e pagamentos suspeitos
A Zagope começou a operar na Guiné Equatorial em 2006, tornando-se o elo da expansão da Andrade Gutierrez na África. De acordo com os documentos vazados, a empresa garantiu uma série de contratos governamentais entre 2009 e 2012, totalizando quase 1,2 bilhão de dólares. Estes incluíam a construção e expansão do Aeroporto Internacional Presidente Obiang Nguema, rodovias e obras na nova e inacabada capital, Ciudad de la Paz (Cidade da Paz).
Paralelamente, os documentos mostram que a Zagope canalizou pelo menos 86 milhões de dólares para a Somagui entre 2014 e 2018. A Somagui, supostamente uma empresa florestal, foi descrita por promotores franceses como “uma concha vazia usada unicamente para drenar dinheiro público”. Contratos de subcontratação entre Zagope e Somagui, datados de 2012, previam que a Somagui realizaria obras por milhões de dólares, como a construção de um entroncamento viário e a plataforma do hangar de manutenção do aeroporto de Mongomeyen. No entanto, não está claro se a Somagui efetivamente realizou os trabalhos especificados. Pagamentos subsequentes da Zagope à Somagui, detalhados em declarações fiscais vazadas, foram listados como “serviços de terraplenagem”.
Apesar de a Andrade Gutierrez, controladora da Zagope, ter se envolvido na Operação Lava Jato no Brasil, e ter concordado em pagar uma multa milionária por corrupção em 2018, a Zagope continuou a fazer pagamentos suspeitos à Somagui. Segundo Micah Reddy, repórter e coordenador para a África do ICIJ, mesmo com a queda nas receitas de petróleo após 2014, a Zagope continuou a obter contratos lucrativos. Além disso, a Zagope também realizou pagamentos regulares à Abayak, uma empresa de propriedade do presidente Obiang, por aluguel de imóveis.
Investigações internacionais e consequências
A vida de luxo do nepoditador Teodorín Obiang – ostentação de jatos particulares, supercarros e propriedades luxuosas – já era alvo de investigações muito antes dos pagamentos da Zagope à Somagui virem à tona.
Um relatório do Senado dos EUA, ainda em 2004, destacava a cumplicidade do Riggs Bank na movimentação de fundos para autoridades guineenses e seus familiares, permitindo saques de centenas de milhões de dólares das contas estatais. Teodorín fez um acordo em 2014 com o Departamento de Justiça dos EUA. As autoridades americanas estimaram que, com um salário governamental de menos de 100 mil dólares em 2011, Teodorín acumulou mais de 300 milhões de dólares em bens.
Na França, no caso “Biens mal acquis”, Teodorín foi condenado em 2017 a uma pena de três anos e uma multa de 35 milhões de dólares por peculato, com confisco de seus bens avaliados em mais de 178 milhões de dólares. Promotores franceses afirmaram que a Somagui foi usada para financiar seus gastos extravagantes e a manutenção de sua mansão em Paris. Teodorín, que foi ministro da agricultura e florestas de 1997 a 2012, foi acusado de forçar empresas madeireiras a pagá-lo diretamente, inclusive através de cheques para a Somagui.
As investigações chegaram ao Brasil em 2018, quando autoridades apreenderam mais de 16 milhões de dólares em dinheiro e relógios de luxo de Teodorín e sua comitiva no aeroporto de Campinas. Segundo Allan de Abreu, da piauí, Teodorín estava sendo investigado pela compra de um apartamento de luxo em São Paulo, adquirido em 2007 por 15,6 milhões de reais (6,13 milhões de dólares na época) e reformado com custos de 7,9 milhões de euros (75 milhões de reais). Os pagamentos para a compra e reforma do apartamento teriam vindo da Somagui e de contas particulares. Em novembro de 2023, Teodorín e outros foram denunciados à Justiça brasileira por lavagem de dinheiro.
Em retaliação às investigações brasileiras, o governo da Guiné Equatorial suspendeu pagamentos e confiscou ativos de empreiteiras brasileiras que operavam no país, incluindo a Zagope. A Zagope confirmou o confisco de seus bens, afirmando que ocorreu em “retaliação à operação das autoridades brasileiras”. Teodorín chegou a ameaçar o governo brasileiro publicamente no X, afirmando que a decisão de Guiné Equatorial serviria de alerta.
Apesar disso, ele gosta do Brasil. Em 2015, o pai de Teodorín patrocinou o desfile da Beija-Flor no carnaval do Rio de Janeiro, que desfilou na Marquês de Sapucaí com o tema “Um griô [homem sábio] conta a História: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha de nossa felicidade”. Teodorín estava lá para assistir.
Enquanto isso, a maior parte da infraestrutura construída com bilhões de dólares financiados pelo estado – incluindo o aeroporto de Mongomeyen, as extensas rodovias e a planejada Ciudad de la Paz – permanece largamente vazia e subutilizada, testemunhando a oportunidade perdida pelo país e a “estratégia cleptocrática” denunciada por analistas.
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Comentários (1)
Carlos Renato Cardoso Da Costa
21.05.2025 03:53Que agro que nada, é a corrupção o principal produto de exportação nacional