As “mulheres do mar” da Coreia e os segredos de sua resistência excepcional
Nas águas geladas de uma ilha sul-coreana, um grupo de mergulhadoras mantém viva uma tradição secular

Nas águas geladas da ilha sul-coreana de Jeju, um grupo singular de mergulhadoras, conhecidas como haenyeo (“mulheres do mar”), mantém viva uma tradição secular, ao mesmo tempo que desafia os limites fisiológicos e revela segredos genéticos de profundo interesse científico e médico.
Mergulhando sem cilindros de oxigênio em busca de frutos do mar, essas mulheres, muitas já idosas, não são apenas um patrimônio cultural reconhecido pela Unesco, mas também objeto de estudo por suas notáveis adaptações ao ambiente extremo. Pesquisas recentes indicam que seu estilo de vida pode ter moldado variantes genéticas com potencial terapêutico.
A ciência da profundidade e do frio
A prática das haenyeo remonta ao século XVII, época em que as mulheres assumiram o mergulho, antes predominantemente masculino, para sustentar suas famílias na ausência dos homens. Esse ofício perigoso, que envolve mergulhos de até 15-20 metros por turnos de até sete horas, mesmo no inverno, moldou seus corpos ao longo de gerações.
Uma equipe internacional de cientistas tem investigado essas adaptações. Segundo Atahualpa Amerise, em reportagem para a BBC News Brasil, a especialista em genética populacional Diana Aguilar Gómez liderou uma análise genética que revelou características únicas.
A pesquisa comparou haenyeo ativas com mulheres não mergulhadoras, tanto de Jeju quanto de outras regiões. Experimentos de “mergulho simulado”, como submergir a cabeça em água fria, demonstraram que o reflexo de mergulho – que diminui a frequência cardíaca para conservar oxigênio – é significativamente mais intenso nas haenyeo.
Essa é uma adaptação adquirida pelo treinamento contínuo. A grande surpresa, conforme relatado pela equipe, veio da análise de DNA: foi identificada uma região reguladora de um gene que se acredita reduzir a pressão arterial. Esta variante genética é vista como potencialmente protetora, especialmente relevante para mergulhadoras grávidas que enfrentam risco aumentado de pré-eclâmpsia.
Além disso, foi encontrada uma mutação ligada à resistência ao frio, que pode ter auxiliado na sobrevivência durante os mergulhos invernais com trajes menos protetores historicamente usados. Essas adaptações genéticas podem ter sido selecionadas naturalmente e consolidadas ao longo de mais de mil anos. A relevância dessas descobertas transcende Jeju, pois as variantes são encontradas em diferentes frequências globalmente e podem oferecer insights para futuros tratamentos de hipertensão e problemas vasculares.
Um legado em declínio e os esforços de preservação
Apesar do reconhecimento cultural e científico, a profissão das haenyeo enfrenta um risco crescente de extinção. Houve um declínio drástico em seu número, passando de mais de 30 mil nos anos 1960 para menos de 3 mil atualmente, com mais de 80% delas tendo mais de 60 anos. A taxa de reposição geracional é negativa há décadas.
Historicamente vista como uma atividade de baixa classe, a profissão ganhou status com o reconhecimento da Unesco. Contudo, a principal causa do declínio é a transformação econômica de Jeju, que migrou da pesca e agricultura para o turismo e serviços, oferecendo empregos menos perigosos e mais rentáveis.
O governo sul-coreano tem implementado medidas para preservar a tradição, como ajuda financeira e a criação de museus e escolas. No entanto, o impacto é limitado, pois poucas jovens se mostram dispostas a abraçar uma vida de isolamento e risco no mar. Ainda assim, existem raios de esperança. Iniciativas como restaurantes fundados por haenyeo que servem produtos frescos diretamente pescados por elas ajudam a complementar a renda e celebrar a cultura.
Além disso, uma nova geração de mergulhadoras, como Sohee Jin, de 32 anos, está usando as redes sociais e a mídia para documentar e promover a vida das haenyeo, buscando adaptar a tradição ao século XXI, mesmo enfrentando os desafios modernos, incluindo os efeitos das mudanças climáticas nos ecossistemas marinhos. Essas novas haenyeo, embora poucas, encontram no mar uma liberdade que valorizam, mantendo viva a resiliência das “mulheres do mar”.
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Comentários (1)
Carlos Renato Cardoso Da Costa
10.06.2025 20:16Incrível