Tio Barnabé: o parlamentar barnabé
O estudioso de Oxford David Priestland em seu instigante "Comerciante, Guerreiro, Sábio" diz que a tensão entre a narrativa de Marx e a de Francis Fukuyama estaria datada. A dicotomia entre valores e interesses econômicos seria falsa. Todos somos motivados pelas duas coisas, mas nossos interesses e valores são condicionados pelo que fazemos em nosso trabalho, em nossa ocupação.O professor inglês dá pistas. Um servidor público é mais propenso a ter uma visão igualitária do mundo. Um gerente de banco de investimento naturalmente terá uma visão mais liberal da economia. Tendemos a encontrar um trabalho que combina com nossos valores e, por outro lado, nossos valores também podem ser moldados pela nossa ocupação.Pois fico aqui a matutar...O que molda o pensamento do parlamentar barnabé?
O estudioso de Oxford David Priestland em seu instigante “Comerciante, Guerreiro, Sábio” diz que a tensão entre a narrativa de Marx e a de Francis Fukuyama estaria datada. A dicotomia entre valores e interesses econômicos seria falsa. Todos somos motivados pelas duas coisas, mas nossos interesses e valores são condicionados pelo que fazemos em nosso trabalho, em nossa ocupação.
O professor inglês dá pistas. Um servidor público é mais propenso a ter uma visão igualitária do mundo. Um gerente de banco de investimento naturalmente terá uma visão mais liberal da economia. Tendemos a encontrar um trabalho que combina com nossos valores e, por outro lado, nossos valores também podem ser moldados pela nossa ocupação.
Pois fico aqui a matutar…O que molda o pensamento do parlamentar barnabé? Bem, primeiro, para ser didático, o que é o parlamentar barnabé? Ouso conceituar. Trata-se daquele sujeito, muitas vezes oriundo dos confins do mundo (mas nem sempre), que venceu na política e chegou a Brasília com fumos de aristocrata. A realidade do Parlamento é dura e logo ele percebe que, no jogo mais bruto do cenário nacional, o destino lhe reservou os assentos mais distantes da mesa diretora, os assentos mais crepusculares. Passa o dia a lustrar o broche de parlamentar para não ser confundido com um servidor da Casa em que habita. Chora de ódio por não ser reconhecido em canto nenhum de Brasília. Tem saudades do protagonismo que exercia em sua terra. Enfim, um infeliz momentâneo.
Mas eis que o mundo político tem guarida para todos. O parlamentar infeliz logo percebe que o baixo clero tem vez na Esplanada. Cabe a ele ser um estafeta dos interesses mais inconfessáveis do grande empresário de seu Estado de origem, um despachante de luxo do governador de plantão. Como um amanuense das antigas, registra os pedidos com afinco e leva balas e bombons para as secretárias dos Secretários Executivos dos Ministérios para tentar conseguir uma audiência. Do ambicioso vulgar que chegara à Câmara baixa falando em “defender princípios”, passa a ser o parasita servil dos donos do poder de sua região e, recebendo por serviços prestados, torna-se o arrivista e plutocrata mais empedernido. O parlamentar barnabé leva nos olhos umas chispas sonantes e fagulhas de esperança. A esperança é um dia aparecer no Jornal Nacional e poder retornar para o grotão devidamente enfatuado.
Não são poucas às vezes que o destino leva o parlamentar barnabé para as ribaltas. O paroxismo foi com Severino Cavalcanti, o barnabé maior de um Congresso lamentável. Severino tornou-se presidente da Câmara e o rei dos parlamentares barnabés.
Houve quase uma revolução à época. Parecia que o mundo lhes pertencia. Finalmente tinham chegado ao poder maior. Os anos de assentos sombrios no final do Plenário estavam ficando para trás. As luzes das câmeras de televisão e os flashs das nervosas Canon agora lhes eram também dirigidas. Crispados, até se assustavam, mas dançavam a valsa do pertencimento e do oportunismo.
Severino Cavalcanti praticava a corrupção romântica, hoje praticamente inexistente. Severino extorquia o dono do restaurante da Câmara para lhe tomar 10 mil reais ao mês a título de…Sabe-se lá o quê.
O romântico parlamentar barnabé do período de Severino era aquele que cometia o crime de peculato, cobrava por xerox não tiradas, tirava notas falsas em postos de combustível, colocava em seu gabinete a sobrinha daquele compadre e era mestre na adulteração das notas fiscais do restaurante. Os pequenos truques. As pequenas picaretagens.
Os tempos são outros. O parlamentar barnabé de hoje aprendeu o que é offshore e, dizem, come o pato (e põe num quadro o número do bicho) do restaurante La Tour d’Argent em Paris. Enfim, tornou-se um argentário.
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