O que a inteligência artificial pode fazer pelas ciências humanas?
Se a “produção de conhecimento” quantitativa ou factual puder ser automatizada, as humanidades reencontrarão sua vocação?

Aos poucos, a cada atualização ou produto lançado, constatamos que a Inteligência Artificial Generativa não é mais uma ferramenta tecnológica como as outras, uma espécie de “extensão” de um dos sentidos ou de certos procedimentos computáveis da inteligência, mas uma potência de fato transformadora, que está remodelando o ensino superior, mesmo as chamadas “humanidades”.
Graham Burnett, historiador de ciência e tecnologia na Universidade de Princeton, acredita que essa revolução provocará uma reavaliação urgente do papel das disciplinas culturais e humanísticas, que em tese se ocupam do entendimento profundo (e não exatamente quantificável) da experiência humana.
O impacto disruptivo da IA e a resistência acadêmica
O ambiente universitário, conforme observado por Burnett, inicialmente reagiu à ascensão da IA com hesitação, ceticismo e interdições. Muitos estudantes evitavam ferramentas como o ChatGPT, por medo de sanções, e a própria academia mostrava resistência em integrar a tecnologia em suas práticas de ensino e pesquisa. Até agora.
Burnett compartilha algumas de suas experiências.
Ele relata já ter treinado um chatbot com material de suas próprias aulas, obtendo respostas de nível satisfatório, que chamaram sua atenção.
Em outra ocasião, ao acompanhar uma palestra acadêmica complexa, o autor recorreu ao ChatGPT e obteve um intercâmbio de informações mais claro e aprofundado do que a própria apresentação, superando-a “por uma margem considerável”.
Noutro momento, descarregou cerca de 900 páginas de material de curso, fruto de uma década de pesquisa aprofundada, no Google NotebookLM. A ferramenta gerou um podcast de 32 minutos com insights “notavelmente bons”, chegando a conectar teorias kantianas do sublime com anúncios contemporâneos, uma demonstração, segundo ele, que valeria “nota máxima”.
O historiador observa que, embora baseadas em matemática e previsão probabilística, e sem “inteligir” ou “sentir” nos sentidos humanos dos termos, as IAs são capazes de simular interações e análises complexas, processando a totalidade das realizações humanas acessíveis, gerando um produto suficientemente bom.
Redefinindo o propósito das humanidades na era dos algoritmos
Apesar da aparente ameaça, Graham Burnett argumenta que a inteligência artificial oferece uma oportunidade singular para que as ciências humanas reencontrem sua essência. A capacidade dos sistemas de gerar “infinitamente” livros e artigos de pesquisa tradicionais, a partir de comandos bem elaborados, sugere que a “produção de conhecimento” factual será em grande parte automatizada. Isso, segundo o autor, liberta as humanidades da necessidade de “mimetizar a investigação científica”, focando na acumulação de fatos.
A verdadeira vocação das letras, das disciplinas culturais e humanas, em tese, nunca foi – ou não era para ter se tornado – a exaustiva compilação de informações, mas sim a busca pelo “entendimento”, por aquela palavrinha quase esquecida entre um corredor universitário e outro: “sabedoria”.
Foi por meio da sabedoria, de seu questionamento, e da investigação das questões fundamentais da existência humana – “como viver?” “o que fazer?” “como enfrentar a morte?” – que chegamos aonde chegamos. Essas, não são perguntas a serem respondidas por “conhecimento produzido”, mas sim pelo “ser”, uma dimensão que a IA não pode acessar.
De repente, se artigos puderem ser produzidos sem muito esforço humano, o famigerado “publish or perish” (publique ou pereça) universitário, mecanismo que se retroalimenta mais de política que de conhecimento, perderá sua razão de ser. A educação poderá (assim esperamos) voltar às origens, e a produção filosófica, literária ou mesmo científica, desde que criativa, terá mais tempo e mais espaço para encontrar seus caminhos, seus objetos, seus sentidos.
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