O idioma inglês é o bandido ou o mocinho da história linguística?

10.07.2025

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O idioma inglês é o bandido ou o mocinho da história linguística?

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Redação O Antagonista
5 minutos de leitura 14.05.2025 17:51 comentários
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O idioma inglês é o bandido ou o mocinho da história linguística?

A língua adotada globalmente transforma outras línguas ou códigos enquanto é transformada por eles

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O idioma inglês é o bandido ou o mocinho da história linguística?

A versão atual da globalização, iniciada por volta da década de 1980, consolidou o inglês como a primeira língua verdadeiramente global, tornando-se o beneficiário linguístico predominante deste período. Contudo, essa expansão levanta um debate complexo: seria o inglês uma língua “assassina”, responsável pela extinção de idiomas menores, ou estaria ele próprio em processo de mudança e autofagia, longe de uma forma estática e dominante?

Um idioma no banco cultural dos réus

A acusação de “assassino” para o inglês, embora utilizada por alguns para descrever seu impacto sobre línguas menores levadas à extinção, não é uma visão universalmente aceita.

Segundo Salikoko Mufwene, linguista do Congo na Universidade de Chicago, essa perspectiva é marcadamente eurocêntrica, pois a Europa fez do monolingualismo uma especialidade. Em grande parte do resto do mundo, a norma ainda é o bilinguismo ou mesmo o multilinguismo estável.

Mufwene argumenta que o inglês se expandiu principalmente como uma língua franca – um idioma de comunicação entre falantes de diferentes línguas nativas – e, ao fazê-lo, pode ter competido com outras línguas francas regionais, como o suaíli na África ou o malaio na Ásia, mas sem necessariamente prejudicar os idiomas indígenas falados no dia a dia nesses locais.

Paralelamente, o inglês demonstra uma tendência à divergência e à instabilidade, evoluindo para variedades que, no futuro, podem ser dificilmente reconhecíveis como o mesmo idioma. Na prática, é como se a flexibilidade do inglês estivesse gerando sua divisão em variantes.

Essa característica levanta a questão de saber se o inglês estaria “matando” línguas ou “morrendo” ao se fragmentar, ou talvez ambas as coisas simultaneamente.

O linguista australiano Nicholas Evans observa que, embora haja um número crescente de variedades de inglês, é improvável que ele siga o caminho do latim, que se fragmentou no que hoje conhecemos como línguas românicas.

No Império Romano tardio, poucas pessoas liam ou escreviam, e a comunicação direta entre pessoas comuns em regiões distantes era limitada, o que permitiu que as forças centrífugas afastassem os vernáculos. Hoje, graças à televisão, internet e mídias sociais, os falantes das diversas variedades de inglês estão constantemente expostos uns aos outros e a uma forma escrita padrão da língua.

Evans sugere que o inglês pode se estabilizar em um estado de “diglossia”, onde existe uma distinção entre a forma escrita compartilhada e as múltiplas variedades faladas, mas essas duas formas se reforçam mutuamente, mantendo o inglês como uma única língua.

As línguas ameaçadas e as perspectivas de renovação

O debate sobre o inglês e seu futuro tem implicações diretas para a questão da erosão linguística global. Atualmente, das aproximadamente sete mil línguas faladas no mundo, quase metade é considerada ameaçada.

Algumas projeções alarmantes sugerem que cerca de quinze centenas de idiomas poderiam desaparecer até o fim deste século. Esforços para ressuscitar línguas moribundas têm apresentado resultados modestos em certas medidas. A exceção notável é o hebraico, que foi reavivado em circunstâncias únicas ligadas ao nascimento do moderno estado de Israel.

Outros casos, como o galês – considerado o mais saudável dos idiomas celtas sobreviventes –, enfrentam desafios: apesar de décadas de ensino intensivo e forte apoio popular, menos de 20% dos galeses falavam a língua em 2022, e esse número diminuiu na década anterior. O irlandês, em processo de revigoramento na Irlanda, é visto por especialistas como fortemente influenciado pelo inglês.

Nem todos veem essas tendências com pessimismo. Alguns apontam que, na pré-história, uma língua no auge de sua vitalidade poderia ter apenas cerca de mil falantes. Portanto, o sucesso da revitalização não deveria ser medido apenas pelo número de novos falantes, mas sim pela extensão em que a língua serve como veículo de uma cultura vibrante e se os jovens a estão adotando.

É também uma evolução natural que uma língua reavivada ou revigorada difira de sua forma original. O linguista israelense Ghil’ad Zuckermann, por exemplo, argumenta que, em vez de o hebraico ter sido revivido, nasceu uma língua híbrida hebraico-europeia, que ele chama de “israelense”.

Manter as línguas ameaçadas vivas é amplamente considerado algo positivo, especialmente se for o desejo de seus falantes, e os ativistas linguísticos estão aprimorando suas abordagens. Mas a solução não se resume a investir mais em ensino. É fundamental primeiro compreender por que as pessoas estão abandonando seus idiomas e, em seguida, abordar as desigualdades sociais e econômicas que motivam essa decisão. A língua, em sua essência, é uma ferramenta: ela sobrevive enquanto for útil, enquanto abrir portas e capacitar seus falantes a melhorar suas vidas.

Embora o número de mortes de línguas atualmente supere os nascimentos, é crucial encarar as estatísticas sobre a erosão com cautela. A língua está profundamente ligada à identidade, tornando qualquer contagem parcialmente subjetiva.

As línguas mudam constantemente na boca de seus falantes, muitas dessas mudanças não são registradas ou estudadas, e os linguistas nem sempre concordam sobre o que constitui o nascimento de uma nova língua.

Dessa forma, as “mortes” podem ter sido exageradas, negligenciando os “nascimentos”. É hora de observar os focos de criação linguística e questionar: estaríamos à beira de um colapso ou de um renascimento linguístico?

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