Marcelo Madureira: Millôr Fernandes, um imortal sem academia
Para o meu querido mestre GravatáTem gente que morre e faz a maior falta. Assim, de cara, falo do meu pai, Seu Mauro, e do João Saldanha. Na sexta-feira passada, dia 27 de março, fez três anos que o Millôr Fernandes morreu. Saudades...Millôr! Acorda!
Para o meu querido mestre Gravatá
Tem gente que morre e faz a maior falta. Assim, de cara, falo do meu pai, Seu Mauro, e do João Saldanha. Na sexta-feira passada, dia 27 de março, fez três anos que o Millôr Fernandes morreu. Saudades.
Conheci o Millôr, mas menos do que queria. Lamento muito isso. Em compensação, convivi com a sua obra, diariamente, anos a fio. No Pif-Paf, no Pasquim, na Veja, no finado Jornal do Brasil – aonde quer que o Millôr fosse, eu ia atrás abanando o rabo. Millôr Fernandes era o meu Antônio Conselheiro. Junto com Ivan Lessa, Jaguar, Paulo Francis, Tarso de Castro, Henfil e tantos outros, Millôr foi uma espécie de João Gilberto na minha formação humorística e intelectual. Fundamental. A obra é eterna, e o intelectual, assim como algumas bichas, nunca morre, vira purpurina.
Fundada a Casseta Popular, já com um certo renome no circuito marginal, Helio de la Peña e eu fomos incumbidos pelo resto do grupo de introduzir a Casseta (no bom sentido, de fora para dentro) no inventor do frescobol. Eu morava em Ipanema e Millôr Fernandes residia na quadra seguinte. Lívidos e trêmulos de emoção acionamos o interfone, uma voz metálica nos autorizou a subir. Parecíamos um casal de veados. Tocamos a campainha. Súbito a porta se abriu e o semi-deus em pessoa se mostrou de torso desnudo (devia estar comendo alguém). No pórtico do templo, gaguejando, justificamos a nossa presença, e colocamos em suas mãos o produto de nossa obra. Millôr pegou, olhou e disse: obrigado, façam sucesso e fiquem ricos. Em seguida bateu a porta na nossa cara e retomou à sua provável foda. E isso foi tudo.
Seguimos os seus sábios conselhos e o resto é história.
Vida que segue. Estava eu trabalhando na Casseta quando toca o telefone. Era da Globo News, Millôr acabara de morrer e eles queriam um depoimento ao vivo. Imediatamente me colocaram no ar. O Chico Anysio havia morrido há pouco tempo e eu falei com a apresentadora: “Puxa vida! Eu adoro a Globo News, sou um telespectador fiel mas, ultimamente, vocês só estão me dando noticias tristes, semana passada o Chico Anysio, agora o Millôr. Com tanta gente para morrer no Brasil, como o Zé Sarney, o Collor, o Maluf… Quando é que vocês vão me dar uma boa notícia dessas?“ Sem graça a entrevistadora cortou a entrevista. Esta foi a melhor homenagem que eu poderia prestar ao Millôr.
No dia seguinte, fui ao velório antes do churrasco do Millôr. Ele foi cremado. Desolado, eu estava sentado na capela quando adentrou o Ziraldo aos berros me procurando para dar porrada. Tudo porque eu havia dito em entrevistas que o Millôr havia se recusado a requerer a Bolsa Ditadura. Para ele era uma questão de ideologia, não era um investimento. Hoje eu entendo. O Ziraldo não se conformava que o Millôr, em seu próprio velório, pudesse chamar mais atenção que o maior cartunista de Caratinga de todos os tempos.
Pacificados os ânimos, eu estava sentado ao lado de Cora Ronai, querida amiga, lamentando a perda do intelectual e humorista. De repente, uma jovem repórter de Caras se aproximou. E pediu uma minha declaração sobre a perda do grande “Millôr Ferreira”.
Dei um salto na cadeira. Olhei o rosto sem vida do Millôr no caixão e não me controlei. Parti em direção ao ataúde e gritei na orelha morta do artista: “Millôr Ferreira!!! Porra Millôr! Acorda! Você ainda nem foi cremado e já caiu no esquecimento!!!!”
E tenho dito.
Millôr! Acorda!
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