Alguns conselhos de Alan Moore para escritores e artistas
Um dos mais aclamados autores ingleses desafia os aspirantes ao ofício “não comer de colherzinha”

Para o escritor – e bruxo – Alan Moore, autor de, entre tantos outros, Watchmen e V de Vingança, o ofício da escrita transcende a busca por sucesso de crítica, não pode corresponder ao gosto médio do público nem se adaptar às tendências do mercado. Para ele, escrever é participarde uma tradição milenar que fundou a própria ideia decultura.
A chave para o progresso na escrita, segundo Moore, reside na dedicação incondicional ao próprio ofício, na disciplina da imaginação e na exploração profunda dos elementos que compõem uma história, indo muito além da trama.
Ofício, imaginação e armadilha
Alan Moore descreve a escrita como uma “colisão de mais ou menos trinta coisas diferentes”.
Nesse complexo processo, a imaginação desempenha um papel central, sendo potencialmente mais vasta que o universo físico, capaz de conceber realidades nunca vistas. No entanto, Moore alerta que a imaginação desacompanhada da vontade pode ser uma “armadilha traiçoeira”, um tipo de “areia movediça” cognitivo.
Ele explica que é possível desperdiçar uma vida inteira apenas sonhando com o sucesso – como escrever um romance, ganhar na loteria ou conquistar um amor – sem tomar as medidas necessárias no mundo real para que esses sonhos se concretizem. É por isso que Moore considera “imensamente importante treinar a vontade sobre a imaginação”. Essa disciplina permite que “fantasias e sonhos ociosos” sejam materializados.
Outro ponto crucial é a indiferença ao problema – que não é problema – entre ser um escritor publicado ou não.
Ele cita exemplos históricos como William Blake e Emily Dickinson, que foram “perdedores não publicados” em vida, mas cujo legado artístico é imenso. Para Moore, a capacidade de navegar pelas idas e vindas da opinião e do gosto público depende, em última instância, de ser um escritor “bom o suficiente”.
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Personagens, ritmo e o valor dos textos “difíceis”
A respeito da criação de personagens, Moore sugere um modelo baseado na introspecção: imaginar como sua própria personalidade e identidade se manifestariam em circunstâncias, tempos, lugares, ou até mesmo assumindo gêneros ou espécies diferentes.
Ele compara a personalidade humana a um “enorme cristal multifacetado”, do qual normalmente polimos apenas uma faceta. Como escritor, é possível girar esse cristal e explorar as outras faces, “habitando os personagens”.
A rigor, não fugimos de quem somos, quando criamos, porque “todos os personagens em sua história são você mesmo”, da mesma forma que os personagens em nossos sonhos representam aspectos nossos. É essencial habitar esses personagens com convicção, para torná-los críveis para os leitores.
Moore também oferece conselhos práticos sobre o ritmo narrativo
Ele sugere que o uso judicioso de cortes e edição, inspirado no cinema, pode conferir impulso e velocidade às narrativas literárias, mantendo o leitor atento e envolvido pela história. Literatura não precisa entediar ninguém.
Um exemplo de sua própria obra ilustra essa técnica: em uma determinada série de TV, ele descreve uma cena em que mostra uma personagem com transtorno de personalidade olhando para algumas frutas e um segurança agressivo – o corte abrupto para a chegada de uma ambulância comunica o que aconteceu sem mostrá-lo explicitamente.
Deixar o leitor preencher o espaço em branco, segundo Moore, pode tornar a experiência “muito agradável”, e até engraçada.
Ele também sugere a ideia de dificuldade literária como uma técnica progressiva.
Embora possa afastar parte do público, defende que tornar um aspecto da escrita “ligeiramente mais difícil de ser entendido pela audiência” força aqueles que permanecem a se engajar com a obra em um nível mais profundo, aumentando seu prazer.
Ele acredita que os seres humanos não são feitos para serem “alimentados com a colherzinha”, quando se trata de arte, entretenimento ou ideias. A arte permanece relevante na medida em que nos desafia a compreendê-la.
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Quem é Alan Moore?
Considerado por muitos o autor mais influente na história dos quadrinhos, Alan Moore nasceu em Northampton, Reino Unido.
Começou a escrever no final dos anos 1970, e logo chamou a atenção de grandes editoras americanas. Ao contrário de alguns de seus pares, Moore sempre fez questão de se distanciar do universo dos super-heróis – ao menos, da romantização desse tipo de personagem. Seus heróis são anti-heróis.
Seus textos têm forte teor político, mitológico e psicológico. Obras como Do Inferno, V de Vingança, Watchmen, Monstro do Pântano e Batman: A Piada Mortal, redefiniram os limites narrativos do gênero. Além dos quadrinhos, Moore publicou Jerusalem, romance entre os mais vendidos na lista do The New York Times.
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