Rodolfo Borges na Crusoé: Pênalti e reparação
Diante de um erro tão grotesco, cometido com o auxílio de tantas câmeras, será o caso de criar um árbitro de vídeo para o árbitro de vídeo?

Briony Tallis cometeu um erro quando jovem. Interpretou interações entre duas pessoas de forma equivocada e acabou definindo seus destinos sem querer. A história de como ela tenta reparar o erro é contada em Desejo e Reparação (Companhia das Letras), de Ian McEwan.
O árbitro de vídeo surgiu no futebol com essa promessa, de reparar os erros dos árbitros de campo. Sempre que o juiz auxiliar, que tem uma dezena de câmeras a sua disposição, falha em corrigir um erro crasso, o VAR proporciona o exato oposto: referenda o equívoco de forma dolorosa.
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Isso nunca tinha ocorrido de maneira tão escancarada quanto na semifinal do Campeonato Paulista disputada entre Palmeiras e São Paulo.
Vitor Roque se lançou sobre as pernas de Arboleda para cavar um pênalti e enganou não apenas Flávio Rodrigues de Souza, que apitava a partida dentro de campo, mas também Rodrigo Guarizo, que apitava de dentro da sala do VAR.
Não foi pênalti
O erro foi tão flagrante que gerou uma avalanche de críticas nas redes sociais. A ponto de a transmissão do jogo, distribuída pela Federação Paulista de Futebol (FPF) para vários canais, reprisar o lance por diversas vezes no segundo tempo — o pênalti foi marcado ao fim da primeira etapa —, por um ângulo que supostamente absolveria a arbitragem — e nem esse ângulo absolvia.
Ao contrário do que costuma ocorrer, as análises sobre o lance são praticamente unânimes: não foi pênalti. E o erro se tornou explícito, pornográfico, depois que o áudio da conversa entre os árbitros foi divulgado.
Uma dinâmica interna, talvez de respeito ou submissão do árbitro de vídeo ao colega, levou quem deveria checar o lance a simplesmente buscar meios de referendar a decisão de campo.
E a partida?
A questão é tão sensível, uma injustiça tão flagrante, que toda a partida foi obscurecida pelo erro de arbitragem.
Mal se discutiu, após o apito final, quem jogou melhor ou quais foram os destaques da partida. O juiz decidiu o resultado de um jogo amarrado, destinado, desde antes de começar, a ser definido em cobranças de pênaltis.
“Não precisava haver uma moral. Ela só precisava mostrar mentes separadas, tão vivas quanto a dela, lutando com a ideia de que outras mentes eram igualmente vivas”, reflete Briony ao tentar reparar seu erro por meio da literatura. Ela segue assim, conduzida por McEwan:
“Não era apenas a maldade e a intriga que deixavam as pessoas infelizes, era a confusão e a incompreensão, acima de tudo, era a falha em compreender a verdade simples de que outras pessoas são tão reais quanto você. E somente em uma história você poderia entrar nessas mentes diferentes e mostrar como elas tinham um valor igual. Essa era a única moral que uma história precisava ter.”
Talvez Flávio Rodrigues de Souza e Rodrigo Guarizo reescrevessem…
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