Juizado do Rio censura matéria de O Antagonista sobre juiz
Decisão de juíza ordenou “supressão” de reportagem, “sob pena de multa diária de R$ 1.000,00”. Portal cumpriu ordem, mas recorre e manifesta preocupação com liberdade de imprensa
Seis anos depois da censura – mundialmente repercutida – à reportagem O amigo do amigo do meu pai, publicada pela revista Crusoé em 2019, sobre apelido atribuído por empreiteiro a um ministro do Supremo Tribunal Federal, a juíza Valeria Pacha Bichara, do 7º Juizado Especial Cível da Comarca da Capital fluminense, decidiu censurar outra matéria do mesmo grupo de comunicação, publicada pelo portal O Antagonista no início de agosto de 2025, sobre mais um juiz, também do Rio de Janeiro.
A decisão, tomada em outubro, ordena “a supressão da matéria jornalística” no “prazo de 24 Horas contados da intimação, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00”.
O Antagonista, mesmo sem ter sido ouvido, cumpriu a ordem de censura, mas, além de apresentar recurso em contrário, manifesta, novamente, sua profunda preocupação com o grau de liberdade de imprensa no Brasil, em especial quando o jornalismo se refere a integrantes do Poder Judiciário (como ocorreu, entre outros exemplos, nos casos elencados e comentados em editorial do Estadão de 25 de maio).
O juiz que entrou com Ação de Reparação de Danos havia rejeitado, em julho, a prisão preventiva de um ladrão com numerosas passagens pela polícia, mesmo após parecer do Ministério Público favorável à medida gravosa. Além disso, outra juíza do Rio, em audiência de custódia, havia convertido em prisão preventiva a prisão em flagrante por furto, destacando a habitualidade do ladrão na prática de crimes contra o patrimônio, o risco de reiteração delitiva e, por conseguinte, atentado à ordem pública.
Outros portais de notícias, antes mesmo de O Antagonista, fizeram ampla cobertura do caso e, considerando a repercussão dele e sua relevância no debate público, este portal publicou, então, uma reportagem sobre quem é o juiz. A matéria, agora censurada, não contém sequer análise crítica da decisão, muito menos qualquer ofensa ao autor, que dirá acusação de violação ou ilegalidade cometidas. Ela simplesmente acrescenta informações disponíveis em fontes abertas sobre sua trajetória, suas obras e declarações.
Semanas depois, o risco de reiteração delitiva apontado em audiência de custódia ainda se confirmaria na prática: solto em julho por ordem do juiz, o criminoso voltou a ser flagrado em meados de agosto, quando policiais militares acionados pelo sistema de segurança de uma loja na Zona Sul do Rio o encontraram escondido no teto do imóvel, carregando uma bolsa com centenas de reais em espécie. Resultado: outros portais de notícias voltaram a destacar a decisão de soltura proferida anteriormente pelo juiz, bem como a enorme quantidade de passagens pela polícia que o ladrão já tinha.
Essa enorme quantidade – destacada em matérias anteriores e posteriores à de O Antagonista – não foi inventada por jornalistas, mas relatada pelo delegado titular da 12ª DP (Copacabana), em declarações igualmente disponíveis em fontes abertas, embora ignoradas na decisão de censurar a reportagem deste portal.
A nota
Duas semanas depois da repercussão da ordem de soltura do ladrão – e, curiosamente, na véspera de sua reiteração delitiva –, o tribunal do qual o juiz faz parte divulgou uma nota genérica, alegando que a imprensa havia publicado informações inverídicas.
Em nenhuma linha da nota, porém, o tribunal negou a existência da decisão do juiz de rejeitar a prisão preventiva, e das alegações usadas por ele. A nota revelou, inclusive, o número do processo, onde se verifica que o juiz ordenou que o ladrão fosse solto.
Trata-se de decisão de interesse público por si só, com produção de efeito no mundo real, notadamente a liberdade do ladrão reincidente – que, depois, novamente reincidiu.
A revelação do tribunal de que o juiz acabara por condenar o criminoso (a 2 anos e 5 meses em regime semiaberto; quando ele já estava nas ruas) não anula a decisão tomada por ele no curso do processo, nem seus efeitos no mundo real, de modo que não tornam inverídica qualquer matéria focada ou baseada na rejeição da prisão preventiva.
Caso contrário, todas as matérias sobre determinada decisão no curso de um processo teriam de ser censuradas se não contemplassem todas as demais decisões, ou teriam de ser atualizadas diariamente com todos os elementos processuais posteriormente tornados públicos, o que inviabilizaria a cobertura jornalística do Poder Judiciário.
Em sua nota, o tribunal tampouco negou a enorme quantidade de passagens do ladrão pela polícia; apenas se utilizou de uma expressão distinta, anotações criminais, para alegar que estas estavam na casa próxima da quinzena, não de muitas dezenas.
O delegado titular da 12ª DP, no entanto, havia relatado muitas dezenas de passagens por crimes, como se pode ler na imprensa; e o número era tão alto, de uma forma ou de outra, que, na audiência de custódia, também foi apontada a habitualidade na prática de crimes, informação igualmente ignorada na decisão de censura. Tanto é assim que as matérias de outros portais com esses elementos continuam no ar.
Ademais, uma nota de pretensão informativa divulgada por qualquer tribunal de país supostamente democrático não configura ordem judicial a ser cumprida, nem obriga à reescritura de reportagens publicadas semanas antes, sobretudo quando suas alegações são conflitantes com as de outras autoridades públicas e publicações; e quando a nota nem sequer faz referência direta a uma matéria específica do respectivo portal.
A supressão
Causa espanto e indignação a O Antagonista que uma juíza – sem esmiuçar fontes abertas, nem ouvir a defesa da empresa – imponha censura a uma reportagem baseada em decisão relevante, afirmando reputar “verossimilhantes” as alegações do autor da ação, “sobretudo, diante da nota de esclarecimento” do tribunal do qual ele faz parte.
Verossimilhança, convém lembrar, é a qualidade do que parece verdadeiro, sem que necessariamente seja. Logo, trata-se de “supressão de matéria jornalística” em razão de aparências, antes de qualquer exame minucioso do caso, como se a suposta proteção da imagem de um juiz – que, repetimos, não foi alvo de qualquer ofensa – estivesse acima da liberdade de imprensa, garantida pelo artigo 220 da Constituição Federal.
O eventual desgaste de imagem de um magistrado por uma decisão que tomou, e/ou por alegações que usou, e/ou por escolhas que fez, e/ou por declarações que deu, não pode legitimar a supressão de qualquer notícia sobre a decisão, as alegações, as escolhas e as declarações de sua responsabilidade; nem privar a sociedade de debater e refletir livremente sobre o episódio, as interpretações, os demais aspectos envolvidos e as possíveis propostas de mudanças em diversas áreas – jurídicas, legislativas, econômicas, sociais, culturais – para evitar a repetição de suas causas e/ou de seus efeitos.
Diante do exposto, O Antagonista reforça sua preocupação com o uso de pretextos sinuosos para censurar publicações e punir veículos de jornalismo que ousam cobrir o Judiciário. E relembra a nota histórica, divulgada em 18 de abril de 2019, pelo então decano do STF, Celso de Mello, que contribuiu para a derrubada da censura de Crusoé:
“A censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República.”
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Comentários (9)
Márcio Roberto Jorcovix
19.10.2025 11:03A verdade absoluta é um câncer da sociedade atual, presente principalmente nas ditaduras de esquerda, mas também nas ditaduras de direita. Alguém que se atreve a mostrar outra verdade é perseguido sem a menor cerimônia ou constrangimento. Nosso judiciário desandou de vez, não podemos mais criticar os deuses do Olimpo.
Manoel Coutinho
18.10.2025 15:43Nosso judiciário é um câncer maligno: corrupto, incompetente e intocável.
F-35- Hellfire
18.10.2025 15:36Censura com um judiciário tomado por juízes nomeados pelo Lule, não é possível ter um presidente condenado em 3 instãncias por roubo, ex-presidiário que, infelizmente, reeleito, continua roubando nas empresas estatais, como nos Correios, no Banco do Brasil, no INSS, na Petrobrás...e pior, tem o poder de nomear os juízes do STF! O Congresso não pode aceitar qualquer advogadozinho sem notório saber jurídico, sem reputação ilibada e sobretudo feito por indicação política!
Denise Pereira da Silva
18.10.2025 09:48Não podemos tolerar censuras como essa, que acontecem quando o judiciário sente-se melindrado por notícias oriundas de fatos reais. O judiciário brasileiro vai de mal a pior com essas atitudes tomadas com o fígado do corporativismo, na clara tentativa de intimidar cidadãos brasileiros de manifestarem suas opiniões.
Joaquim Arino Durán
17.10.2025 16:07Entrar com recurso, e aguardar que essa distorção seja corrigida. Esperamos...
Eliane ☆
17.10.2025 15:39Juízes que passam em concursos. Há juízes e "juízes "...
MARCOS
17.10.2025 15:35EU ACREDITO QUE A JUÍZA ESTÁ CORRETA. ESTÁ SIMPLESMENTE PROTEGENDO SEUS PARES. O MESMO OCORREU NO EPISÓDIO DO AMIGO DO AMIGO DO MEU PAI. ERRADO ESTÁ O PODER JUDICIÁRIO SE, E SOMENTE SE, NÃO CASSAR TAL DECISÃO.
Jose Diogo de Almeida
17.10.2025 14:57Acho bem engraçado ... ontem ouvi numa emissora all news, de sua ancora, que não deve ter mais de 35 anos de idade , falando sobre a Ditadura Militar ... o que ela sabe sobre ... o que leu, o que os professoras nas universidades disseram ... meu pai, eu, meus amigos ... muitos VP e CEO de empresas, nem lembram sobre ... o que houve de terror, foi que um contigente de jovens pecaram em armas, contra o Regime Militar que havia na época, burlando leis e "matand" em nome de um suposta liberdade by Fidel ...
Bernadete Sampaio
17.10.2025 14:23E viva a democracia tupiniquim