Josias Teófilo na Crusoé: Tudo pela verossimilhança
Hitchcock faz o contrário dos cineastas do Oscar: sacrifica a verossimilhança em benefício da forma

Depois do domingo do Oscar, em que assisti alguns filmes que estavam concorrendo, aconteceu a Mostra Hitchcock na Cinemateca Brasileira, e tive a oportunidade de rever quatro importantes filmes do diretor inglês.
O contraste foi muito forte. Especialmente num aspecto, o formal.
Os filmes do Oscar que vi, incluindo Ainda estou aqui, sacrificam toda a questão da forma cinematográfica em detrimento da verossimilhança, ou se contentam com a verosimilhança.
Hitchcock faz exatamente o contrário: sacrifica a verossimilhança em benefício da forma.
A famosa cena da facada em Psico é formalista por excelência: a cena mostra recortes da realidade em close-up, com uma trilha (composta por Bernard Hermann) que mimetiza o som de facadas, como se fossem “estocadas” com o naipe de violinos.
A cena dura bem mais do que o fato representado — a morte da personagem de Janet Leigh — e é totalmente expressionista (com contrastes acentuados, jogos de luz, distorções visuais).
Alfred Hitchcock passou por várias fases do cinema: o cinema mudo, o cinema predominantemente em branco e preto.
Os diretores que produziram nessas fases usam com muita atenção os novos elementos que foram acrescentados: a sonorização, o colorido.
No filme Vertigo, o uso do colorido é central. A cena que a personagem principal — uma mulher misteriosa — aparece é toda baseada no contraste entre o vermelho das paredes e o verde do seu vestido.
Nem preciso dizer que esse tipo de nuance não existe no cinema contemporâneo, não é? Ao menos não no cinema que chega a ser indicado ao Oscar.
O escritor Alexandre Soares Silva escreveu recentemente: “As pessoas não veem filmes antigos porque têm a ideia de que eles são mais lentos. Não são. Filmes dos anos 1930 têm diálogos mais rápidos, e a história avança depressa. Hoje você fica vendo cenas longas de gente bebendo água, vendo moscas etc, o que você não via antes dos anos 1960.”
É a pura verdade: desafio o espectador a tentar excluir uma cena ou um plano que seja de um filme de Hitchcock — não dá.
É tudo muito bem encadeado, tudo é essencial.
Nos filmes contemporâneos não é assim: se colocassem o filme Anora, ganhador do Oscar, na minha mão eu cortaria uma hora do filme, e ficaria bem menos ruim.
O mesmo em relação a O Brutalista, outro filme grande e desconjuntado.
O cinema atual se contenta com verossimilhança, basta tudo ter a aparência de verdade que já serve para o entretenimento das massas.
Voltando a Hitchcock: uma tecnologia que o mestre não dispunha era o som direto — o som gravado simultaneamente à imagem.
Os atores gravavam a voz depois, no estúdio, e os sons ambientes eram acrescentados. Isso, na verdade, ajuda a uma recriação dramática da realidade.
Hoje, banalizou-se o som direto e os diretores tendem a fazer um registro banal da realidade.
Isso tudo tem feito muita gente esquecer…
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