Josias Teófilo na Crusoé: A singular interseção entre morte e sexualidade
Talvez isso tenha a ver com o nosso espírito barroco

Quentin Tarantino conta que, no começo dos anos 1990, viu um filme de Almodóvar que começa com um sujeito se masturbando em frente a uma televisão, vendo cenas sangrentas de execuções de mulheres.
Ele ficou muito impactado, ainda mais por não existir nada semelhante no cinema americano naquela época.
Vendo os filmes de Almodóvar, podemos observar um característica que é comum à cultura brasileira: a interseção entre os temas da morte e da sexualidade.
Ora, a cultura espanhola – igualmente ibérica, assim como nossa origem portuguesa – tem uma afinidade evidente com a nossa no sensualismo, no uso de cores fortes, no humor, na relação bastante natural com a sexualidade, com a morte – e com a interseção desses temas.
Estava vendo esses dias Volver, de Almodóvar, e o filme começa com as esposas viúvas limpando os túmulos dos maridos num cemitério.
Logo em seguida, o marido da personagem principal, interpretada por Penélope Cruz, começa a se insinuar para a enteada, uma adolescente, e ela o mata com uma faca. É preciso esconder o corpo, que é colocado em uma geladeira.
Na verdade, o sexo – ou a perversão sexual – como causa da morte é um tema recorrente no cinema: está nos filmes de Luchino Visconti (O Inocente, Sedução da Carne), está nos film noir americanos e franceses, e, principalmente, no cinema de terror dos anos 1980.
Nesses filmes, o moralismo chega a ser engraçado: é transou, morreu.
Mas, no caso da cultura brasileira, tal relação é ainda mais essencial.
Já tratei nesta coluna da especial relação de Nelson Rodrigues com a morte (O culto aos mortos na cultura brasileira).
Na obra do dramaturgo são muitos os exemplos.
Em Bonitinha mas ordinária ou Otto Lara Resende, Ritinha transa com Edgar dentro do buraco aberto para um túmulo, no cemitério São João Batista.
Toda nudez será castigada é narrado em primeira pessoa por uma ex-prostituta morta, que passa o enredo da peça obcecada em ter um câncer no seio.
Ela acaba tendo um caso com o filho do marido – que a tirou da zona.
O menino só pensa na morte da mãe, e odeia o fato de o pai ter casado com outra — ele costuma andar por cemitério, como Nelson Rodrigues fazia, soturno.
A Falecida é a história de uma mulher que só pensa na morte, especificamente no rito pós-morte da procissão fúnebre, comum na primeira metade do século 20 no Brasil.
Ela quer ter um funeral luxuoso. Para isso, faz o marido ir atrás de um antigo amante e pagar pelo funeral que ela sabe que terá.
Certa vez, eu vi a cena de uma pornochanchada na página Out of context cinema brasileiro – a cena era de um casal transando em frente a um caixão com um morto. Achei muito brasileiro.
Talvez isso tenha a ver com…
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