Dennys Xavier na Crusoé: A liberdade de escolher o próprio risco
Uma defesa filosófica da autonomia moral diante das "bets"

Vivemos sob o espectro constante da tutela moral do Estado, como se a coletividade tivesse a missão superior de salvar o indivíduo de si mesmo.
O novo bode expiatório da temporada são as chamadas bets, as casas de apostas esportivas virtuais.
Denunciadas como vício, fraude ou degradação cultural, elas são o pretexto perfeito para reacender a velha tentação totalitária de eliminar a liberdade sob o disfarce do zelo público.
Mas é justamente aqui que se ergue a exigência filosófica inegociável da liberdade individual. Como nos lembra Murray Rothbard, em A Ética da Liberdade: “A essência do homem é a sua capacidade racional de escolher objetivos e meios; ao coagir o homem, o Estado rouba-lhe essa essência e, assim, comete uma agressão contra sua própria natureza”.
A aposta, como qualquer atividade voluntária entre adultos, é moralmente neutra: se você não concorda com ela, não aposte.
A tentativa de proibi-la ou regulá-la sob pretextos paternalistas não apenas infantiliza o cidadão, mas viola um princípio liberal fundamental: o de que cada pessoa é a melhor juíza dos próprios fins.
Friedrich Hayek, em Os Fundamentos da Liberdade, sublinha: “Não é pela possibilidade de fazer boas escolhas que o homem é livre, mas pela possibilidade de fazer escolhas – inclusive más”.
Diante das apostas, a resposta da sociedade deveria ser a da responsabilidade, não a da coerção.
O vício, se houver, deve ser tratado como qualquer outro comportamento desviante: pela medicina, pela moral ou pela própria experiência, e nunca pela anulação da liberdade de escolha.
O homem é um ser que vive em tensão entre o que é e o que deve ser, e encontra sentido ao assumir responsabilidade sobre seu próprio destino, não ao ser tutelado em sua jornada.
A tradição grega nos oferece aqui uma lição formidável. Sócrates, em sua Apologia, declara que preferiria obedecer ao seu “daimon” interior do que à ordem dos homens.
Ele compreendia que a liberdade da consciência, mesmo diante do risco, é superior à segurança imposta por decretos externos.
O discurso moderno contra as bets é, muitas vezes, mais expressão do que Ortega y Gasset chamou de “rebelião das massas” do que de uma preocupação real com o bem-estar dos indivíduos.
As massas desejam homogeneizar, regular, limitar. Mas a liberdade, por definição, é o direito de divergir, de errar, de perder … e de aprender.
Em um mundo verdadeiramente livre, o indivíduo tem o direito de arriscar, de jogar, de perder e de se reerguer — sem que o Leviatã venha lhe segurar a mão, nem lhe impor um colete de segurança.
A vida de um indivíduo livre não é um sistema de perfeições garantidas, mas o único arranjo social que respeita a sua dignidade como sujeito moral pleno.
Certo: uma coisa é o combate legítimo a práticas criminosas – como fraudes, lavagem de dinheiro, manipulação de resultados ou aliciamento de menores – e outra, profundamente distinta, é o impedimento arbitrário da liberdade de jogar, sob o pretexto genérico de “proteger o cidadão de si mesmo”.
O crime deve ser combatido com rigor, pois este sim constitui violação objetiva de direitos.
Mas a aposta voluntária, realizada entre partes livres e conscientes, não é um crime: é uma expressão do arbítrio humano, da proairesis como diriam os estóicos, ou da liberdade prática, na acepção aristotélica.
O erro fatal de nossos legisladores contemporâneos reside em confundir o ilícito com o arriscado, como se toda escolha imperfeita demandasse intervenção estatal.
Aquele que aposta com consciência, que calcula riscos e aceita as perdas como parte do jogo da vida, não está cometendo delito, mas exercendo sua soberania existencial.
E mesmo aquele que, levado por imprudência ou vício, compromete seu próprio bem-estar, deve responder pelas consequências: não ser tutelado preventivamente pelo Estado como se fosse um menor perpétuo.
Impedir um homem de apostar para livrá-lo do vício é como interditar a palavra para protegê-lo do erro; trata-se de uma inversão tirânica da pedagogia da liberdade.
É no diálogo com o risco, com a própria ignorância e com a possibilidade do equívoco que a alma se forma.
Não se forma pelo amparo asfixiante do Estado soviético, que tudo regula, mas pela fricção entre desejo e consequência, escolha e aprendizado (cá entre nós, um adulto que não consegue discernir sobre jogar ou não jogar nem deveria poder votar, mas não se vê político debatendo tal possibilidade).
Portanto, defendamos o combate intransigente a todo tipo de crime…
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Comentários (1)
tclsãopaulo
17.05.2025 10:27Lanentavelmente, dá até pra entender defesa das Bets. Entretanto, em um país como o nosso, onde a maioria da população não tem condições de discernimento e portanto de escolha, entra em arapucas, tentando, desesperadamente, sair da miséria da qual o governo jamais a salva. É triste, que o segmento que mais deveria defender a ignorância e o desespero dos desamparados, faça o contrário!