Dennys Xavier na Crusoé: A apedeutocracia e o roubo institucionalizado
Quando a ignorância governa o Estado

Há um tipo de governo que não se limita ao amadorismo, nem se contenta com a mediocridade.
Eleva, com orgulho, a ignorância à categoria de método, de identidade e mesmo de ideologia.
Nele, a esperteza, diferente da inteligência, é elevada à condição de virtude.
Trata-se do que chamo apedeutocracia, o governo dos incultos, dos que desprezam o entendimento baseado em fatos, dos que veem na sensatez uma ameaça e na formação uma fraqueza. Um regime em que os piores assumem o poder, não apesar de sua inépcia, mas justamente por causa dela.
A palavra, de raiz grega, une apaideutos (sem educação, não tocado por processo formativo) a kratia/kratos (poder).
E o que ela descreve é cada vez mais familiar ao brasileiro comum. O caso mais recente e escandaloso envolve o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS): fraudes milionárias, quadrilhas internas, aposentadorias fantasmas.
Uma máquina pública foi transformada em espólio de guerra: saqueada, loteada, desmoralizada.
Seria exagero dizer que o roubo no INSS é fruto direto da apedeutocracia?
Não se considerarmos que a corrupção se tornou não um desvio, mas uma engrenagem do sistema.
E que quem a opera são, em sua maioria, gestores incapazes de compreender minimamente o que estão gerindo: porque desprezam a técnica, desconfiam da razão e ridicularizam qualquer esforço sério de governança: o roubo é o propósito, o télos.
O saber é tratado como elitismo. A competência, como arrogância. A honestidade, como ingenuidade.
Na apedeutocracia, o sujeito que lê é visto com desconfiança; o que pensa, com repulsa; o que denuncia, com censura.
A política se converte em palanque para gritos vazios, o debate é substituído por slogans infantiloides, e a administração pública vira um cabide de boçais leais apenas à sua própria rede de interesses.
O escândalo no INSS, nesse sentido, não é exceção: é a prova viva do que acontece quando a burrice organizada se une à malícia impune.
O mais grave, no entanto, não é o crime em si: é a sua naturalização como parte da cultura institucional.
Quando um povo se acostuma a ver o Estado como máquina de saque e não como guardião da justiça, é porque o horizonte da civilização já se apagou.
E isso não ocorre por acaso: é preciso destruir a autoridade do saber para que o poder da esperteza triunfe.
É assim que a apedeutocracia se sustenta: fazendo com que a ignorância seja confundida com humildade, o populismo com virtude, e, insisto, a esperteza com inteligência.
Aliás, a apedeutocracia não se limita à máquina estatal. Ela se manifesta com igual vigor nos palanques, nos microfones, nas redes sociais; e, sobretudo, nos posts virais que pretendem denunciar o sistema enquanto o alimentam, escorados em doses cavalares de ignorância da audiência.
O exemplo mais recente veio do deputado Nikolas Ferreira, que publicou um vídeo indignado sobre o caos no INSS.
Nele, acusa a “esquerda”, aponta o dedo para a impunidade, denuncia o clientelismo, mas convenientemente silencia sobre a participação ativa da “direita” nas mesmas práticas que agora critica (o comentário de Felipe Moura Brasil sobre o caso é excelente).
O discurso é fácil, o moralismo é raso, e a omissão…
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