Trump e o erro de Fukuyama

08.11.2025

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O Antagonista

Trump e o erro de Fukuyama

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Gustavo Nogy
4 minutos de leitura 13.10.2025 16:44 comentários
Análise

Trump e o erro de Fukuyama

Celebro a libertação, lamento a má sorte, comemoro o cessar-fogo, lembro o massacre do dia 7, mas tenho o cuidado de não subscrever platitudes

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Gustavo Nogy
4 minutos de leitura 13.10.2025 16:44 comentários 3
Trump e o erro de Fukuyama
Foto: Mark Garten via Fotos Públicas

Qualquer comentário sobre os acontecimentos deste dia 13 de outubro de 2025 precisa, em primeiro lugar, celebrar a libertação dos reféns israelenses, lamentar a má sorte dos que retornarão como corpos (ou nem como corpos retornarão), comemorar o cessar-fogo de uma guerra que produziu, como efeito colateral à caçada ao Hamas, a morte de milhares de palestinos – e por último, mas não menos importante, lembrar que o que aconteceu naquele dia 7 de outubro não deveria acontecer jamais.

Celebrada a libertação, lamentada a má sorte, comemorado o cessar-fogo, lembrado o atentado, também seria prudente que relêssemos um texto que fez estrondoso sucesso e transformou seu autor em celebridade da ciência política, num época em que não era comum que cientistas políticos virassem celebridades. Ele tinha razoáveis motivos para estar certo, mas no fim, infelizmente para ele e para nós, estava irrazoavelmente errado.

Quando Donald Trump proclamou que “não se trata apenas do fim de uma guerra, mas do fim da era do terror e da morte”, e que as “gerações no futuro lembrarão deste momento como aquele em que tudo começou a mudar”, eu quis reler o artigo The End of History (O Fim da História), do neoconservador Francis Fukuyama, que proclamou o “fim da história” com o fim da Guerra Fria, a ruína da União Soviética, a queda do Muro de Berlim, a hegemonia do capitalismo, o triunfo da democracia liberal, a resolução dos embates ideológicos, a inegociável Pax Americana.

O ensaio, publicado no ingênuo ano de 1989, na revista The National Interest, ganhou mais páginas em 1992 no livro The End of History and the Last Man (O Fim da História e o Último Homem). O autor foi lido, aplaudido, discutido e, aos poucos, esquecido. Minto: sua tese – a história teria chegado ao “fim”, a uma espécie de equalização geopolítica e consequente pacificação global – não foi esquecida. Foi ridicularizada. Fukuyama não era burro, mas sofreu da surdez dos otimistas quando tratam da cacofonia internacional.

Os sinais de que o presidente americano e sua entusiasmada claque estão sendo otimistas demais e prudentes de menos estão aí para ser vistos por quem tem olhos para ver. O fim da guerra, ou dessa batalha, é para ser comemorado, mas dependerá, para ser duradouro, de uma série de condições que não se sabe se serão cumpridas ou por quanto tempo serão cumpridas. Torçamos para que sejam, mas é bom que nos preparemos para o caso de não serem.

O Hamas está esfacelado, mas não acabou; difícil acreditar que aceitarão o desarmamento. Se aceitarem, mais difícil acreditar que continuarão desarmados por muito tempo. Sua causa – destruir Israel – e sua desculpa – construir a Palestina – ficarão no horizonte. Além disso, a questão Palestina – o direito de autodeterminação dos palestinos – segue como questão. Ou a solução dos dois estados – pacificados – volta à pauta, ou a pauta da guerra e de estado nenhum voltará às manchetes.

O topete de Trump só para em pé porque os países árabes e muçulmanos aprovaram o documento e concordaram com o plano que enquadraria o Hamas. Até quando? Ninguém sabe. Primeiro, porque o mundo árabe e muçulmano não morre de amores pelo mundo ocidental e cristão. Segundo, porque os EUA podem, como já fizeram outras vezes, também mudar de ideia quanto a eles, a depender de outros conflitos e interesses. E então eles…

Benjamin Netanyahu aceitou o cessar-fogo a contragosto. Nada em seus discursos e em suas ações, nada nos discursos e nas ações de seus colaboradores, sugeria que essa fosse sua intenção. Ele queria e precisava que o conflito externo se prolongasse, para não ter de lidar com o conflito interno que logo terá de enfrentar. Libertar dois mil prisioneiros, inclusive os terroristas, foi uma imposição, não uma negociação.

Pois bem. Celebro a libertação, lamento a má sorte, comemoro o cessar-fogo, lembro o massacre do dia 7, mas tenho o cuidado de não subscrever platitudes, aclamar incertezas, ovacionar políticos. A história não acabou. A história tem um longo passado pela frente.

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Gustavo Nogy

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Comentários (3)

DUILIO RIBEIRO BARBOSA

14.10.2025 03:35

Perfeita análise! Parabéns.


Jorge Irineu Hosang

13.10.2025 21:04

Que acordo é esse em que as principais partes do conflito não aparecem para assinar?? Só acredita quem quer!! Trump sempre quer mostrar que logra as coisas, tal qual fazia em seus programas, ao falar "You are fired!". As coisas não são assim tão simples e, ele não está mais em um Reality Show na TV!!


Luis Eduardo Rezende Caracik

13.10.2025 17:53

Excelente ponderação. Mormente quando se imagina como Trump conseguiu este cessar fogo...


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