Toda firula será castigada
CBF prometeu punição a gestos “desrespeitosos” como o de Memphis Depay

Nem seria preciso ler a reportagem na piauí deste mês (recomendo que leiam), ou os artigos em O Antagonista da última semana (recomendo que leiam), para perceber que a CBF tem uma relação de amor e ódio com o futebol. Amor ao que o futebol proporciona fora de campo. Ódio ao que proporciona dentro dele.
A final do campeonato paulista se aproximava do fim quando o holandês Memphis Depay encarou o marcador e pisou na bola. Mais precisamente: subiu na bola, com os dois pés, como se pedisse trocados no farol.
O gesto incendiou o estádio e a reação foi imediata: confusão, empurrões, socos e pontapés mal desferidos – Corinthians campeão paulista. Dali em diante não haveria mais nada. Só fogos de artifício, dentro e fora do campo.
Nos dias seguintes, nos muitos debates em mesas redondas, quadradas ou retangulares, a maioria condenava o “ato antidesportivo”. Isso não se faz. Isso é desrespeito. Isso é menosprezo. Existem códigos, existem valores, existe moral! Onde está o Alexandre de Moraes quando mais se precisa dele?
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Inspirada no excepcionalismo judicial dos nossos tribunais superiores, a CBF avaliou bem o caso e emitiu orientação aos árbitros: em casos como esse ou semelhantes, o “infrator” deve ser advertido com cartão amarelo e o time deve ser punido com tiro livre indireto. Muito bem, nossos problemas estão resolvidos.
Peço um minuto de silêncio à audiência. De uns tempos pra cá, o futebol foi cooptado por coachs e coroinhas. Os dribles são analisados com minúcia de entomologista, para saber se foram mesmo em direção ao gol pela via mais rápida ou se tomaram um longo desvio a Oeste das traves.
Tudo é tratado como matéria de punição, menos aquilo que deveria ser tratado como matéria de punição: faltas violentas, agressões, injúrias raciais, cera, simulação, antijogo, apostas, erros de arbitragem, erros de arbitragem justificados pelo VAR, salários de dirigentes, dívidas impagáveis, dívidas perdoadas, convocações da Seleção.
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Quero do futebol o oposto do que querem os dirigentes e comentaristas fanáticos do taylorismo. Eles querem o drible objetivo, eficiente, mecanizado, pra frente. Querem gols, contanto que sejam gols eticamente irrepreensíveis. Sem comemoração excessiva. Sem comemoração criativa. Sem comemoração, ponto.
Pelé me livre e guarde disso tudo. Eu quero o gol, sim, mas quero o drible. A magia. A frescura. A sacanagem. O vai-e-volta, a carretilha, a embaixadinha, a máscara, a marra, a pedalada, a gracinha. Quero o drible inobjetivo, a declaração sem media training, a vitória sem moralismo, a derrota sem vitimismo.
Um dia é de quem pisa, outro dia é de quem foi pisado. No último sábado, 12, terceira rodada do Campeonato Brasileiro, o Corinthians não foi apresentado à bola. O holandês foi maltratado em Barueri como um holandês terá sido maltratado na insurreição pernambucana. Perderam de 2 a 0 e deveriam agradecer a frugalidade do resultado.
Mas sejamos justos. Eu, que me reconheço mais como palmeirense que como brasileiro, cidadão ou homo sapiens, que faço do calendário do meu time meu calendário litúrgico, respeito, saúdo e absolvo o holandês e corintiano Memphis Depay por aquela pisadinha. O espírito é esse. O resto é espírito de porco.
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Comentários (1)
Isaias Natanael Ravizza
14.04.2025 17:23Bom texto. Realmente o futebol anda mto engessado por pouca coisa. Mas jogador, como qlqr cidadão na sociedade, só 'inventa' qdo tá ganhando, jogando em casa, etc. Daí fica fácil. O cara tem q fazer isso sempre, então será respeitado. Qdo o faz só qdo está ganhando, é apenas uma provocação barata.