STF favorece clamor por anistia

13.06.2025

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STF favorece clamor por anistia

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Ricardo Kertzman
5 minutos de leitura 14.05.2025 12:05 comentários
Análise

STF favorece clamor por anistia

A Corte não tem culpa pelos atos de 8 de janeiro, mas tem responsabilidade por ter cultivado o terreno fértil onde brotam aberrações

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Ricardo Kertzman
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STF favorece clamor por anistia
STF (Créditos: depositphotos.com / diegograndi)

A proposta de anistiar os envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, que depredaram a sede dos Três Poderes, é juridicamente indecente e politicamente suicida. Não eram “pobres coitados com bíblias nas mãos”, mas pessoas que, deliberadamente e a partir do incentivo velado do próprio ex-presidente Jair Bolsonaro e seu grupo de aloprados, atentaram, sim, ainda que de forma mambembe e mequetrefe, contra a democracia do país.

Ainda assim, mantém-se firme no Congresso Nacional, sobretudo no campo da oposição ao lulopetismo, o discurso pró-anistia. E parte do combustível para esse movimento vem, irônica e tragicamente, da mais alta Corte do país. A pergunta, portanto, não é apenas por que há parlamentares defendendo criminosos, mas por que grande parte da sociedade (cerca de 40%) considera isso legítimo.

A resposta pode e deve estar na incoerência do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que vem sistematicamente atuando de forma contraproducente a si mesmo e, no limite, ao à própria nação, anulando condenações de políticos corruptos, invalidando provas legítimas, maldizendo investigações e cultivando a sensação de que o crime verdadeiramente compensa – desde que praticado apaniguados poderosos.

A fábrica de perdões togados

Apenas desde 2015, para este texto não restar infinito, o STF tem protagonizado uma série de decisões que desmontaram o maior esforço anticorrupção da história recente: a operação Lava Jato. Exemplos, neste sentido, não faltam; abundam: Dias Toffoli, em setembro de 2023, anulou todas as provas obtidas a partir do acordo de leniência da Odebrecht. Segundo ele, houve “armação” por parte da força-tarefa de Curitiba. 

Tal decisão derrubou não só processos em andamento, mas deslegitimou centenas de provas homologadas judicialmente, usadas em colaborações premiadas. Casos como o de José Dirceu, condenado por corrupção passiva, que teve a pena extinta pela Segunda Turma do STF em 2024, sob a alegação de prescrição, é um exemplo. O voto vencedor veio de Ricardo Lewandowski, com apoio de Gilmar Mendes e do próprio Toffoli.

Outro caso notório é o de Antonio Palocci, ex-ministro dos governos Lula e Dilma, que teve todos os atos processuais contra si anulados em 2025. A decisão foi, novamente, de Dias Toffoli, que alegou suspeição de Moro e irregularidades processuais. Raul Schmidt, empresário ligado ao setor de óleo e gás, também foi beneficiado. Em 2024, o mesmo Toffoli invalidou os processos e provas contra ele por “conluio” entre juiz e procuradores.

Dois pesos, um Supremo

Enquanto isso, mais de 30 réus do 8 de janeiro já foram condenados a penas que ultrapassam 15 anos de prisão (alguns com base em provas frágeis ou presunções genéricas). Nenhuma decisão ainda foi revertida. Nenhuma pena foi atenuada. Nenhum habeas corpus foi concedido em caráter estrutural, como se viu, por exemplo, no caso de André do Rap, solto por Marco Aurélio Mello em 2020, e foragido até hoje.

Em nome da “estabilidade democrática”, o STF impôs penas exemplares a bolsonaristas aloprados. Mas, paradoxalmente, tem sido o mesmo STF que garante liberdade, absolvição ou prescrição para corruptos reincidentes, operadores de propina e arquitetos de esquemas bilionários. Ou a mesma Suprema Corte que manda para casa, em “prisão domiciliar à beira-mar”, o ex-presidente Fernando Collor.

O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou um projeto que não revoga as condenações dos envolvidos no 8 de janeiro nem pede anistia, mas reduz significativamente as penas previstas para os crimes relacionados aos atos antidemocráticos, como abolição do Estado de Direito e golpe de Estado e obriga, além da proporcionalidade da condenação, a individualização da conduta.

Davi Alcolumbre pega carona

Tal proposta encontra respaldo jurídico, político e popular. O campo acaba sendo fértil porque o STF, ao longo da última década, contribuiu para naturalizar a leniência institucional. Quando o mesmo tribunal que condena golpistas solta corruptos notórios, a percepção pública não distingue justiça de oportunismo. Oportunista, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), está de olho na ideia. 

A possível intenção é reduzir em até dois terços a pena de quem foi levado a participar dos atos golpistas, diferenciando esse grupo de quem organizou ou estimulou os ataques na Praça dos Três Poderes. Outra ideia é deixar de considerar de forma separada os crimes de abolição do estado democrático e de tentativa de golpe, o que levaria à redução das punições, no mesmo sentido do idealizado por Vieira.

Essa iniciativa de Alcolumbre tem gerado tensão política, inclusive com o presidente Lula, que se opõe a qualquer forma de anistia ou redução de pena para os envolvidos nos atos golpistas. O clamor por anistia nasce da sensação de injustiça provocada pelos próprios Poderes. O STF e o Congresso não têm culpa pelos atos de 8 de janeiro, mas têm responsabilidade por terem cultivado o terreno fértil onde brotam aberrações de toda sorte.

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Ricardo Kertzman

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Comentários (2)

Ari Bruno Lorandi

14.05.2025 23:16

Quando não escreve atendendo interesses de Israel, Kertzman vê tudo sob a ótimo de um esquerdista travestido. Seria conveniente ele pelo menos ler Ives Gandra "Não houve sequer tentativa de golpe", a menos que se julgue mais qualificado do que Ives para julgar o que é golpe. Profundamente lamentável dar voz a alguém que diz "Não eram “pobres coitados com bíblias nas mãos”, mas pessoas que, deliberadamente e a partir do incentivo velado do próprio ex-presidente Jair Bolsonaro e seu grupo de aloprados, atentaram, sim, ainda que de forma mambembe e mequetrefe, contra a democracia do país". Me poupe, oantagonista


FRANCISCO JUNIOR

14.05.2025 23:07

Perfeita a coluna. Tenho dó zero dos golpistas, que queriam a volta da ditadura. Porém o STF tem tomado muitas decisões que afrontam qualquer bom-senso.


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