Sobrenome ou currículo? A parentes de ministros do STF não falta trabalho
Em um país rigoroso, o conflito de interesses não precisa ser provado; basta a aparência. No Brasil, contudo, é só um detalhe a ser ignorado

Imagine o leitor amigo, a leitora amiga, que vocês precisem, sei lá, de – toc, toc, toc – um baita neurocirurgião. Escolheriam o sobrinho do ministro da Saúde? O genro do presidente do Conselho Federal de Medicina? A esposa do dono do laboratório? Provavelmente, não. O critério natural seria: quem tem mais experiência, melhor reputação, menor índice de erro e maiores casos de sucesso. Porém, no meio onde se julgam bilhões de reais, a régua da competência às vezes prefere o sobrenome ao cérebro.
Uma matéria do portal UOL escancarou um padrão extremamente incômodo, embora já institucionalizado no andar de cima do Judiciário brasileiro: diversas empresas envolvidas em disputas bilionárias contratam, sistematicamente, parentes diretos de ministros do STF. Não estamos falando de simples coincidências ou afinidades comerciais. Muito menos de admiração acadêmica. Trata-se claramente de um padrão, de uma lógica de influência travestida de mero acaso e legalidade.
A justificativa, quando questionados, é sempre a mesma, “Não há ilegalidade”, como se fosse o bastante. O parente pode advogar, desde que não atue, obviamente, diretamente no gabinete do ministro. Mas… e nas horas vagas? No sítio, em casa, na cama? Bem, a lei, frouxa e permissiva, fecha os olhos para tal relação desde que os ritos sejam respeitados. Sai a racionalidade, entra a subjetividade. Mas o fato de algo ser legal o torna moral? É aí que mora o vírus que contamina as instituições brasileiras, sobretudo as altas castas do Judiciário.
É isso mesmo que queremos?
Imoralidade não é apenas quebra de regra; é quebra de confiança. É transformar o que deveria ser justo em um suposto jogo de cartas marcadas – pelo menos aos olhos da sociedade. O STF não deveria permitir que seu entorno familiar possa ser confundido com um balcão de vantagens. Não se trata de corrupção técnica, no sentido de suborno. Mas a simbólica, no sentido dado por Santo Agostinho: “Prefiro os que me criticam, porque me corrigem, aos que me elogiam, porque me corrompem.”
A matéria do UOL refere-se a uma disputa de peso entre gestores financeiros e Walter Faria, do Grupo Petrópolis. Familiares dos ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Kassio Nunes Marques e Cristiano Zanin trabalham como advogados. Tem esposa, enteada, filho – em ambos os lados do processo. Outro caso recente e notório envolve a esposa de Dias Toffoli, que advoga para a J&F, dos irmãos Batista. Isso tudo apenas no Supremo, sem alargar para a esfera do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em um país rigoroso, o conflito de interesses não precisa ser provado; basta a aparência. No Brasil, contudo, é só mais um detalhe a ser ignorado. É como se o paciente, voltando ao exemplo do início do texto, aceitasse ser operado por um residente inexperiente apenas porque é afilhado do diretor do hospital. Mas o problema não é só de quem contrata. É de quem permite ser contratado. Todos sabem da força de seus nomes e sobrenomes. Nem sempre pelo mérito técnico, mas pela influência que fingem não existir.
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Comentários (5)
JEAN PAULO NIERO MAZON
21.05.2025 16:29Suprema imparcialidade
Paulo Pinto
21.05.2025 09:02Não acredito mais em julgamento imparcial neste país. Triste!!
Paulo Pinto
21.05.2025 09:02Não acredito mais em julgamento imparcial neste país. Triste!!
Reca
21.05.2025 08:50O nível de moralidade dos integrantes do "PSTF" está cada vez mais baixo. O nível de confiança é baixíssimo.
Alexandre Ataliba Do Couto Resende
21.05.2025 08:47Assim como a liturgia do cargo a ética ficou no século 20. Ninguém sabe mais o que isso significa em Brasília.