O Judeu atormentado do novo mundo

18.05.2025

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O Antagonista

O Judeu atormentado do novo mundo

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Ricardo Kertzman
3 minutos de leitura 10.05.2025 09:30 comentários
Análise

O Judeu atormentado do novo mundo

No fim do dia, olho para trás e desejo não mudar nada amanhã. Há uma certa valia em carregar as dores sem deixar que apaguem a esperança

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Ricardo Kertzman
3 minutos de leitura 10.05.2025 09:30 comentários 8
O Judeu atormentado do novo mundo
Foto: Erkennungsdienst via Wikimedia Commons

Talvez haja algo misterioso, ou masoquista, em tentar entender a própria tormenta. Mas cá estou, um judeu secular sem fé e com excesso de traumas e memórias, culpas herdadas, lucidez em overdose insuportável e uma angústia existencial que não dá trégua.

Sempre me perguntei: por que diabos penso tanto? Por que antecipo – negativamente, claro – o fim de tudo? Por que até a felicidade me parece sempre provisória, como se o lobo mau estivesse logo ali? Talvez a resposta esteja no meu “DNA cultural”, se é que existe isso.

O judeu atormentado não é nem religioso, nem apátrida. Nem crente, nem cético. Apenas alguém esmagado entre a história e o vazio herdado. Um sobrevivente de guerras que não viveu, mas que sente no corpo e na alma os traumas da própria diáspora.

Quem?

Não se trata de “síndrome de Kafka” gourmetizada, mas de uma estrutura emocional transmitida por séculos. Ser judeu do tipo secular é carregar a memória do exílio, o culto à linguagem, a obsessão pela justiça e uma culpa que ninguém consegue nomear.

Não somos vítimas. Somos especialistas em sobreviver – inclusive a nós mesmos. Mas quando a sobrevivência deixa de ser material e passa a ser imaginária, entra em campo o tormento. Não um sofrimento raso, dramático. Mas um ruído de fundo constante.

A maioria dos judeus que admiro (vivos ou mortos) têm esse traço: olhar cansado, lucidez que machuca. Woody Allen, Amos Oz, Kafka. Nenhum deles carregava a leveza. Todos buscavam sentido, mas sabiam que nunca o encontrariam. Disso eu entendo.

Quando?

É claro que não somos os únicos a carregar dores ancestrais, mas há algo de exclusivo na forma como o judeu secular atual se movimenta entre o niilismo e a fé: sente falta de Deus sem acreditar em Deus. “A saudade que eu sinto de tudo que ainda não vi” (Renato Russo).

Há saídas. No meu caso, a escrita virou uma espécie de sinagoga. A constante autoanálise, minha Torá. E jogos do Galo, minha pequena gleba da Terra Prometida. Se não sou tão feliz, sou lúcido. Para um judeu com minha história, é quase um milagre.

No fim do dia, olho para trás e desejo não mudar nada amanhã. Há uma certa valia em carregar as dores sem deixar que apaguem a esperança. Porque no fundo – bem no fundo – acredito que a tão sonhada paz, um dia me chegará.

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Ricardo Kertzman

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Comentários (8)

Edmar Alves Predebon

11.05.2025 08:38

Bom dia, cara Sra. Gracinha. Vai abaixo o link do site "O Fator" (obtido em consulta ao Google). https://ofator.com.br/ https://ofator.com.br/autor/ricardo-kertzman/


gracinha luder

10.05.2025 23:50

Como faço para acessar o site O Fator? Eu indago porque sou uma negação em coisas de computador e o marido pior ainda. Onde eu entro para achar o site? Fico agradecida se puderem me informar. Eu amo tudo qu eo Ricardo Kertzman escreve, coloca. Abraços a todos.


Itche Vasserman

10.05.2025 20:40

Lindo texto Obrigado


Joaquim Arino Durán

10.05.2025 18:29

Sinto-me como os judeus.


Rosa

10.05.2025 11:38

Gostei. Te entendo, só um pouco.


Luis Eduardo Rezende Caracik

10.05.2025 11:37

Belíssimo texto Kertzman. Vivemos um tempo em que todos precisamos mudar a inclinação das velas de nossas naus, e ir em direção ao desconhecido. Tempos de mudanças, as quais podemos escolher entre abraçar, resistir ou influenciar com espírito de explorador e desbravador, não para os outros, mas para nós mesmos.


Renata De Paula Xavier Moro

10.05.2025 10:51

Lindo!


Gilberto

10.05.2025 09:54

Belo texto, Ricardo!


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