O "estupro" da história do Brasil

10.07.2025

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O Antagonista

O “estupro” da história do Brasil

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Rodolfo Borges
5 minutos de leitura 21.05.2025 11:09 comentários
Análise

O “estupro” da história do Brasil

A indústria do ressentimento sustenta negócios e carreiras às custas do mínimo de harmonia que o Brasil conseguiu alcançar em seus pouco mais de 500 anos

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Rodolfo Borges
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O “estupro” da história do Brasil
'Mestiço', de Cândido Portinari, em estação de metrô em São Paulo. (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

A antropóloga Lilia Schwarcz agitou as redes sociais nesta semana com uma provocação infantil: “Somos, mesmo, todos descendentes do estupro”.

“Pela primeira vez em século e meio, aqueles que se definem como mestiços (45,3%, 92 milhões de pessoas) ultrapassaram os brancos (43,5%, 88 milhões) como o maior grupo racial. Já a população que se declara preta representa 10,2% da população”, disse Schwarcz ao introduzir sua análise em publicação em seu perfil no Instagram.

Na publicação, ela destaca o seguinte:

“A população preta é a única que tem mais homens do que mulheres, com uma razão de sexo de 103,9 (103,9 homens para cada 100 mulheres). No geral, a população brasileira tem mais mulheres do que homens, com uma razão de sexo de 94,2.”

Segundo a antropóloga, “esse dado é muito significativo pois já aponta para um padrão do comportamento sexual da população, com as mulheres estando mais miscigenadas do que os homens”.

“Tanto que a declaração de que há mais homens brancos que se relacionam com mulheres negras é uma observação que se encaixa perfeitamente na história pregressa do país. Ou seja, e como conversávamos eu e minha colega Lúcia Stumpf, é impressionante esse dado que mostra como a miscigenação foi majoritariamente de homens europeus e mulheres africanas e indígenas”, finalizou, arrematando:

“Somos, mesmo, todos descendentes do estupro”.

Reações

O antropólogo Antonio Risério reagiu em seu perfil no X, sem mencionar Schwarcz diretamente:

“Uma pessoa mostra que não entende nada do Brasil ou apenas quer falsificar intencionalmente a nossa história, quando ela vem com essa conversa furada de que mestiçagem é produto do estupro. A mestiçagem brasileira foi um processo essencial e principalmente popular. De massas.”

Professor de teoria da comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Wilson Gomes também rebateu, com algum deboche, a antropóloga:

“Como é gostoso para um mestiço, neste país de mestiços, receber nos peitos o selo identitário de ‘fruto de um estupro’. Depois do ‘miscigenação é genocídio’ agora o ‘sois o resultado de um estupro’.

O identitarismo, como sempre, dando a real para tudo o que escapa às suas caixinhas. 500 anos de uma miscigenação que nos fez o país com maior diversidade genética no mundo reduzidos a um ato criminoso originário, um pecado de origem.

Os Schwarcz, quem sabe, são frutos de relações amorosas ou consensuais, enquanto os Silva, os Souza e os Santos são o resultado de sevícias. Depois os identitários se perguntam pq mais ninguém gosta deles. Como? Tudo o que têm a oferecer é culpa e vergonha.

“Abuso retórico e anticientífico”

Outro professor, de filosofia, Paulo Cruz, que se acostumou a rebater o exageros da militância racial, publicou o seguinte sobre a provocação de Schwarcz:

“Lilia Schwarcz é uma mulher branca, rica e privilegiadíssima, que usa desse privilégio para sinalizar virtude parasitando a causa negra brasileira. Vive disso, ganha muito dinheiro com isso. Enquanto você, militante acadêmico, se cala sonhando em ser publicado por sua editora.

É um abuso retórico e anticientífico dizer que a miscigenação é fruto de genocídio. É, sobretudo, um desrespeito à população brasileira que não tem a pele branquinha da sra. Schwarcz. Só uma pessoa ultra privilegiada no Brasil pode dizer uma coisa dessas sem ônus algum.

Sem contar que as ciências sociais, na mão das esquerdas, se tornaram máquinas delirantes de teorias absurdas, mas que, na era da pós-verdade, são legitimadas por pessoas que não têm nenhum senso do ridículo, pois perderam completamente a razoabilidade e mandaram a razão às favas.”

Indústria do ressentimento

Entre as diversas reações geradas pelo comentário da antropóloga, estão fatos históricos simples, como o de que o Brasil foi colonizado por homens, que não trouxeram suas mulheres ou filhos, o que explicaria por que “a miscigenação foi majoritariamente de homens europeus e mulheres africanas e indígenas”.

Seria ingenuidade ignorar que muitas das relações entre esses homens brancos e mulheres negras ou indígenas se desenrolou como consequência de imposição hierárquica ou força, mas o salto para a afirmação de que “somos todos descendentes do estupro” é abissal. Aliás, é ideológico, e só isso, a militância política, o explica.

É curioso como porção relevante da intelectualidade brasileira importou a perspectiva americana para trabalhar a questão racial no país, ainda que as dinâmicas das duas nações nada tenham a ver uma com a outra, e, ao mesmo tempo, não consegue celebrar a mestiçagem, que é o exato oposto do que ocorreu nos Estados Unidos.

No fim das contas, esse tipo de raciocínio e provocação apenas jogam mais gasolina na fogueira do ressentimento, que se tornou uma indústria e sustenta negócios e carreiras às custas do mínimo de harmonia que este país conseguiu alcançar em seus pouco mais de 500 anos.

Leia mais: STJ reverso

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Rodolfo Borges

Rodolfo Borges é jornalista formado pela Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou em veículos como Correio Braziliense, Istoé Dinheiro, portal R7 e El País Brasil.

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Comentários (2)

Ernesto Herbert Levy

22.05.2025 10:35

Fico com vontade de chorar ao ver tamanha desonestidade. Vender livro? Tudo bem, mas disseminar ódio sem razão?


Eduardo

21.05.2025 11:43

O que interessa é vender mais livros...


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