Moraes erra feio ao citar Stuart Mill

19.07.2025

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Moraes erra feio ao citar Stuart Mill

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Rodolfo Borges
6 minutos de leitura 14.06.2025 12:21 comentários
Análise

Moraes erra feio ao citar Stuart Mill

A cada sessão do julgamento sobre regulação das redes sociais, fica mais claro que as noções dos ministros do STF sobre liberdade de expressão são distorcidas

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Rodolfo Borges
6 minutos de leitura 14.06.2025 12:21 comentários 3
Moraes erra feio ao citar Stuart Mill
Foto: Ton Molina/STF

O ministro Alexandre de Moraes (foto) voltou a sacar John Stuart Mill para rebater os críticos durante o julgamento com o qual o Supremo Tribunal Federal (STF) pretende responsabilizar as plataformas de redes social pelos conteúdos publicados por seus usuários.

PhD em filosofia e colunista de Crusoé, Dennys Xavier já explicou que Moraes não levou em consideração elementos basilares da obra de Stuart Mill ao citá-lo, o que distorceu o pensamento do filósofo inglês em favor de seu argumento pela regulação.

O ministro do STF confundiu ato (discutido no capítulo IV, “Dos limites da autoridade da sociedade sobre o indivíduo”) com expressão da opinião (discutida no capítulo II, “Da liberdade de pensamento e discussão”) ao citar trechos de Sobre a Liberdade, que Moraes já tinha mencionado de forma errada ao tentar justificar a suspensão do X no Brasil.

Leia também: Lá vai o trem com o ministro

É pior

Mas é pior do que isso: Moraes fez uma citação incompleta, deixando de fora um trecho crucial, que contraria sua posição, já majoritária no STF, de considerar inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que prevê a mediação da Justiça para a moderação de conteúdos alegadamente prejudiciais a terceiros nas redes sociais.

“Stuarl Mill diz, ao defender a liberdade de expressão: ‘a única liberdade que merece esse nome é a de buscar o nosso próprio bem, da nossa própria maneira, contanto que não tentemos privar os outros do seu próprio bem ou impedir seus esforços para obtê-los'”, disse o ministro, seguindo:

“‘A humanidade’, e sempre em defesa da liberdade de expressão, como todos aqui no Supremo Tribunal Federal são, ‘a humanidade’, disse Stuart Mill, ‘ganha mais tolerando que cada um viva como lhe pareça bom, do que os forçando a viver como parece bom aos demais. Segue a liberdade dentro dos mesmos limites de combinação entre indivíduos. Liberdade para se unir para algum propósito, não envolvendo dano aos outros’. Repito: ‘não envolvendo danos aos outros’.”

Moraes finalizou assim a citação:

“E conclui: ‘tão logo que qualquer parte da conduta de alguém influencia de modo prejudicial os interesses de outros, a sociedade adquire jurisdição sobre tal conduta, e a questão de saber se essa interferência favorecerá ou não o bem-estar’. Repito essa última parte: ‘tão logo que qualquer parte da conduta de alguém influencie de modo prejudicial os interesses de outros, a sociedade adquire jurisdição’.”

Deve haver perfeita liberdade

Como já foi dito, Stuart Mill trata de atos, e não de palavras ao dizer isso em seu livro. E, mesmo assim, a citação feita por Moraes não autorizaria censura prévia, que será a consequência inevitável do julgamento do STF sobre a regulação das redes sociais — as demonizadas big techs terão de proibir assuntos, palavras ou sabe-se lá o que mais, para se precaver da enxurrada de multas que deve vir.

O ministro deixou de mencionar o seguinte trecho, que finaliza o parágrafo sobre a jurisdição da sociedade sobre os atos dos indivíduos: “Em todos esses casos, deve haver perfeita liberdade, legal e social, para realizar a ação e suportar as consequências”.

Quer dizer, não há na obra de Stuart Mill qualquer autorização para censurar assuntos previamente ou bloquear perfis de rede social, por mais que os ministros do STF imaginem que estão do lado da liberdade de expressão ao controlar o discurso no ambiente virtual.

Pelo contrário. O filósofo inglês diz o seguinte no mesmo livro:

“O mal peculiar de silenciar a expressão de uma opinião é que isso rouba a raça humana; a posteridade, bem como a geração atual; aqueles que discordam da opinião, ainda mais do que aqueles que a defendem. Se a opinião estiver correta, eles são privados da oportunidade de trocar o erro pela verdade; se estiver errada, perdem, o que é um benefício quase tão grande, a percepção mais clara e a impressão mais viva da verdade, produzidas por sua colisão com o erro.”

Remédio e veneno

Durante o voto de Cristiano Zanin no mesmo julgamento, proferido no dia anterior ao de Moraes, Edson Fachin destacou uma “preocupação macroscópica” com o que o STF está fazendo ao tentar regular as redes sociais:

“Que o remédio que se encontre, pela dose, vire o veneno. Esse é o problema, da dosimetria que vai se administrar nesse contexto. E é disso, a rigor, que nós estamos verificando desde o voto de hoje cedo, do ministro Flávio [Dino], os votos anteriores. É esse juízo de ponderação que há entre liberdade e responsabilidade. Se pesarmos muito nesses dois pratos dessa balança que está aqui, posta nesse cenário em jogo, nós poderemos ter efeitos mais danosos do que os atuais.”

Os ministros do STF parecem ter se tocado, durante o julgamento, da dificuldade de fazer aquilo que pretendem, e ainda não está claro em que termos será feita a tal da regulação, mas o mais preocupante é que, a cada sessão, fica mais claro que suas noções sobre liberdade de expressão são distorcidas.

Moraes citou Stuart Mill para desqualificar quem estaria referenciando a obra do filósofo inglês a partir de trechos pescados na internet, sob a alegação de que distorcem o espírito do que está dito no livro, mas, ironicamente, apesar de dar a entender que leu o tratado sobre a liberdade, o ministro distorce seu conteúdo com uma leitura enviesada.

A citação do ministro sobre a liberdade saiu pela culatra, mais uma vez, para atingir o Brasil inteiro.

Leia mais: O livro vermelho do STF

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Rodolfo Borges

Rodolfo Borges é jornalista formado pela Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou em veículos como Correio Braziliense, Istoé Dinheiro, portal R7 e El País Brasil.

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Comentários (3)

Marcia Elizabeth Brunetti

16.06.2025 08:18

Reinaldo Azevedo antes de ser culto é pedante! E, por ser pedante, é capaz de julgar pensando nas suas pretensas verdades. Por sinal, que mudam de acordo com o vento.


Ricardo Nery

15.06.2025 11:06

Reinaldo Azevedo culto? Como? Este é digno de pena, isso sim. Credibilidade zero. Se ele elogia alguém, desconfie. Ele é um produto exposto em uma prateleira de shopping. Pronto para ser comprado.


Jorge

14.06.2025 22:00

O Reinaldo Azevedo, que indendentemente da sua ideologia e preferência partidária, é um jornalista culto, elogiou as justificativas que o Ministro Alexandre de Moraes fez a respeito do seu voto citando o pensamento de Stuart Mil. Se eu pudesse, eu faria uma acareação com o Reinaldo Azevedo e o Denny Xavier,


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