MacIntyre morreu, mas sua crítica à modernidade vive
Num tempo em que instituições políticas e culturais mostram sinais de esgotamento, a análise de MacIntyre sobre a fragmentação moral do Ocidente permanece como referência obrigatória

A morte de Alasdair MacIntyre, na quarta, 21, aos 96 anos, encerra uma das trajetórias mais influentes da filosofia moral no século XX.
Escocês de origem marxista e convertido ao catolicismo, MacIntyre reformulou o debate ético contemporâneo ao denunciar a falência da moral moderna e propor o resgate das virtudes clássicas.
Sua obra mais conhecida, Depois da Virtude (1981), argumenta que a linguagem moral do Ocidente moderno sobrevive apenas como ruína.
Termos como “justiça” e “dever” perderam sua coerência após o colapso das tradições que davam sentido a elas. A moral moderna, segundo ele, tornou-se um conjunto de frases desconectadas, guiadas por preferências subjetivas e conflitos insolúveis — um estado que chamou de “emotivismo”.
MacIntyre propôs uma alternativa baseada na ética das virtudes, centrada na busca de bens comuns em práticas sociais e na construção da excelência moral ao longo da vida.
Desenvolveu essas ideias em obras como Qual Justiça? Qual Racionalidade? (1988) e Três Versões Rivais da Investigação Moral (1990), onde aprofundou o conceito de “tradições rivais de racionalidade” para explicar os conflitos entre diferentes concepções de justiça e racionalidade prática.
Sua jornada intelectual foi marcada por mudanças significativas.
Na juventude, foi militante trotskista e membro da Nova Esquerda britânica. Rompeu com o marxismo ao perceber que os regimes comunistas reproduziam as injustiças que denunciavam.
Essa desilusão levou MacIntyre a Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino e, por fim, à conversão ao catolicismo em 1983. MacIntyre via fé e filosofia como mutuamente enriquecedoras.
Nos Estados Unidos, lecionou em universidades como Notre Dame, Yale e Duke. Desenvolveu o conceito de “práticas” como formas cooperativas de atividade humana em que se realizam bens internos e se cultivam virtudes.
Também formulou a ideia de “identidade narrativa”: a noção de que uma vida só encontra unidade moral se for vivida como uma história com propósito.
Embora frequentemente citado em meios conservadores, MacIntyre rejeitava rótulos políticos fáceis.
Sua crítica ao liberalismo era uma defesa da possibilidade de comunidades serem capazes de cultivar virtudes e resistir ao mercado como medida de todas as coisas. Rejeitava tanto o relativismo quanto o racionalismo tecnocrático.
MacIntyre não fundou uma escola nem deixou sucessores diretos, mas sua obra continua desafiando a filosofia contemporânea. Ao recolocar a questão da excelência moral no centro do debate, propôs que a vida ética exige mais do que regras: requer pertencimento, narrativa e uma finalidade comum.
Num tempo em que instituições políticas e culturais mostram sinais de esgotamento, a análise de MacIntyre sobre a fragmentação moral do Ocidente permanece como referência obrigatória — não apenas para entender o passado, mas para pensar em alternativas possíveis.
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Comentários (2)
Rosa
26.05.2025 11:31É verdade Márcia, com exemplos como o de Trump na maior potencia do mundo, ninguém mais se vê na obrigação de demonstrar ética .
Marcia Elizabeth Brunetti
26.05.2025 08:26Discutir as ideias de MacIntyre e aplica-las pressupõe conhecimento sobre ética. Mas quem está se preocupando com ela?