Jojo Todynho desafia Paulo Freire Jojo Todynho desafia Paulo Freire
O Antagonista

Jojo Todynho desafia Paulo Freire

avatar
Rodolfo Borges
6 minutos de leitura 09.11.2024 12:46 comentários
Análise

Jojo Todynho desafia Paulo Freire

Convertida à direita, influenciadora desperta a ira "das inimiga" de esquerda ao questionar o mofado discurso de ressentimento sobre opressor e oprimido

avatar
Rodolfo Borges
6 minutos de leitura 09.11.2024 12:46 comentários 0
Jojo Todynho desafia Paulo Freire
Foto: Reprodução/ Instagram @jojotodynho

Jojo Todynho (foto) virou questão de saúde pública para a esquerda brasileira desde que começou a falar de política — mas apenas porque se posicionou à direita do espectro ideológico, claro.

Catapultada para a fama pelo hit “Que tiro foi esse”, de 2017, a influenciadora é tratada como traidora por militantes da causa LGBT, entre outras, sob a acusação de ter construído sua carreira graças a esse público e, agora, lhe virar as costas.

A funkeira se tornou alvo de ofensas de artistas e perdeu contratos depois que começou a reclamar do governo Lula, aparecer ao lado de políticos como a ex-primeira-dama Michele Bolsonaro e de declarar voto no deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) à Prefeitura do Rio de Janeiro, além de ameaçar se candidatar, ela própria, em 2026.

Venezuela

Em mensagem publicada por ocasião da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, nesta semana, Jojo disse que “o Brasil está caminhando pra ser uma Venezuela” e desdenhou de Paulo Freire, totem da educação de esquerda, cuja obra seus detratores arremessam contra a influenciadora — provavelmente sem nem sequer ter passado pelo martírio de lê-la.

Leia também: Vitória de Trump reforça desconexão da imprensa com o povo

“Gente, eu vou falar uma coisa para vocês, tá? O Brasil está caminhando para ser uma Venezuela. Deus me livre guarde, Senhor. Tenha misericórdia da nossa nação, mas é para isso que a gente está caminhando e ninguém está entendendo. E eu ‘estou’ a maluca, sou a burra, sou a ignorante”, reclamou em stories publicados no Instagram.

“Quando não há educação, o oprimido quer ser o opressor”, mencionou na sequência, em tom de deboche, Jojo, citando, com leve imprecisão, um resumo popular que se costuma fazer de A pedagogia do oprimido, o confuso clássico de Freire.

“Perseguição”

“É, é isso que estão falando. Se fosse assim, eu não estaria sofrendo essa perseguição toda. Por quê, né? O povo sabe que eu sou uma potência. Estudar, não. ‘Porque o lugar de preto não é na faculdade, preto não tem que ter conhecimento, preto tem que adorar o pai dos pobres’. Meu rei é Jesus. Corram enquanto há tempo”, completou Jojo.

A influenciadora provavelmente não tem ideia de que citou o raciocínio de Paulo Freire, cujo resumo corrente mais preciso é “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”. A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) foi uma das que disparou a frase contra Jojo.

Essa síntese é uma contribuição dos seguidores de Freire para popularizar sua obra, cuja leitura ironicamente é opressiva, para usarmos seus próprios termos. Para dar uma ideia dessa opressão, o que vem a seguir é um trecho daquilo que foi resumido na frase que corre por aí:

“O grande problema está em como poderão os oprimidos, que ‘hospedam’ ao opressor em si,
participar da elaboração, como seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação. Somente na medida em que se descubram ‘hospedeiros’ do opressor poderão contribuir para o
partejamento de sua pedagogia libertadora. Enquanto vivam a dualidade na qual ser é parecer e
parecer é parecer com o opressor, é impossível fazê-lo.”

Propaganda

A famoso livro de Paulo Freire é mais propaganda política do que obra pedagógica. Parte da dicotomia entre opressor e oprimido, teorizada por Hegel e instrumentalizada por Marx e Engels na figura do trabalhador, e propõe solucioná-la por meio da educação.

O discurso para libertar acabou aprisionando gerações numa lógica de ressentimento. Sob essa perspectiva, Jojo Todynho estava entre os oprimidos até se tornar famosa e rica. Agora, opta por oprimir porque não foi educada adequadamente para reprimir essa vontade.

Todos esses raciocínios pretensamente científicos, mas evidentemente políticos, carregam contradições insolúveis — que não são enfrentadas porque seus propagandistas nem sequer se arriscam a discuti-las, exatamente porque elas se tratam de ferramentas para tentar influenciar a ordem das coisas, e não conceitos para tentar compreender o mundo.

Quem leu?

A perspectiva de emancipação do oprimido levou às experiências políticas mais catastróficas da história da humanidade, ao longo do século 20. Mesmo assim, o discurso segue alimentando a intelectualidade brasileira, ainda que a maioria dos propagandistas dessas teorias provavelmente não tenha paciência para ir além da frase-resumo da obra de Freire — fossem além, talvez não a repetissem mais.

Foi da dicotomia entre opressor e oprimido que nasceu a política identitária, cujos militantes cobram hoje de Jojo lealdade a sua raça, ao seu gênero e até ao seu peso. Mas, enquanto a militância se descabela ao cobrar submissão eterna, a funkeira emagrece — com ajuda de algumas cirurgias — e repete chavões popularizados pela direita brasileira, como a ameaça de metamorfose iminente do Brasil na Venezuela chavista.

Não há por que se iludir com o discurso de Jojo. Apesar de lampejos de lucidez em seu discurso, ela tampouco sabe exatamente do que está falando — como, aliás, boa parte dos líderes da nova direita brasileira. Mas ela deve poder falar. Deve poder conversar, para tentar explicar o que sente e, se for o caso, ser convencida a mudar de ideia sobre a forma como enxerga o mundo.

Samba na cara da inimiga

Jojo deve poder estudar também, para chegar às suas próprias conclusões, sem a patrulha de quem se considera sumidade intelectual, mas não faz mais do que repetir bordões surrados que nem sequer conseguem mais atingir o efeito político pretendido, como expôs a eleição municipal deste ano.

Paulo Freire defende a “revolução cultural” em seu livro mais conhecido, no qual menciona Fidel Castro e Mao Tsé-Tung, esses dois expoentes da liberdade ao contrário, entre suas referências. Prefiro citar Jojo Todynho: “Então samba, na cara da inimiga, vai. Samba, desfila com as amiga, vai. Samba, na cara da inimiga, vai. Samba, desfila com as amiga”.

Leia mais: PT na zona de rebaixamento

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

Marinha manda recado a Haddad

Visualizar notícia
2

Um golpe muito louco

Visualizar notícia
3

Porta-voz da Rússia destaca proximidade entre Putin e Lula

Visualizar notícia
4

Jerônimo Teixeira na Crusoé: Não acredite em ninguém

Visualizar notícia
5

Trump escolhe aliado para chefiar o FBI

Visualizar notícia
6

Putin aumenta gastos com defesa da Rússia

Visualizar notícia
7

Agentes de Maduro voltam a cercar casa da mãe de María Corina

Visualizar notícia
1

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
2

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

"Só falta ocuparem nossos gabinetes", diz senador sobre ministros do Supremo

Visualizar notícia
5

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
6

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
7

Governo prepara anúncio de medidas para conter queimadas

Visualizar notícia
8

Crusoé: Missão da ONU conclui que Maduro adotou repressão "sem precedentes"

Visualizar notícia
9

Cadeirada de Datena representa ápice da baixaria nos debates em São Paulo

Visualizar notícia
10

Deputado apresenta PL Pablo Marçal, para conter agressões em debates

Visualizar notícia
1

Agentes de Maduro voltam a cercar casa da mãe de María Corina

Visualizar notícia
2

(01/12) INSS facilita cancelamento de descontos: Saiba como funciona

Visualizar notícia
3

Um golpe muito louco

Visualizar notícia
4

Inscrições abertas para estágio em processo de selação pública: Veja como participar

Visualizar notícia
5

Jerônimo Teixeira na Crusoé: Não acredite em ninguém

Visualizar notícia
6

Fraudes no INSS: Como aposentados podem se proteger e denunciar golpistas

Visualizar notícia
7

Putin aumenta gastos com defesa da Rússia

Visualizar notícia
8

Empréstimo do Bolsa Família (01/12): Como funciona e como solicitar

Visualizar notícia
9

Marinha manda recado a Haddad

Visualizar notícia
10

Porta-voz da Rússia destaca proximidade entre Putin e Lula

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter

Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

direita educação esquerda ideologia Jojo Todynho Paulo Freire
< Notícia Anterior

Prefeito eleito no Ceará vai entregar o cargo à mãe

09.11.2024 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Mendonça leva recurso de Collor para plenário do STF

09.11.2024 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Rodolfo Borges

Rodolfo Borges é jornalista formado pela Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou em veículos como Correio Braziliense, Istoé Dinheiro, portal R7 e El País Brasil.

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

Um golpe muito louco

Um golpe muito louco

Rodolfo Borges Visualizar notícia
Botafogo atualiza definição de heroísmo ao conquistar Libertadores

Botafogo atualiza definição de heroísmo ao conquistar Libertadores

Rodolfo Borges Visualizar notícia
É assim que o PT pretende combater fake news?

É assim que o PT pretende combater fake news?

Rodolfo Borges Visualizar notícia
Uma música para Haddad no Fantástico

Uma música para Haddad no Fantástico

Rodolfo Borges Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.