Eu olho para Trump com visão crítica; jamais enviesada
A análise jornalística independente, inteligente e responsável precisa, em nome das boas causas e da civilidade, ser a luz do debate público

Não houve fato mais importante no mundo ontem, segunda-feira, 20, do que a posse – a segunda, não consecutiva – de Donald Trump Jr. como o 47º presidente eleito dos Estados Unidos da América, lembrando que ele foi, também, o 45º chefe do executivo americano, entre 20 de janeiro de 2017 e 20 de janeiro de 2021.
Não deixa de ser louvável – ainda que com inúmeras mazelas, contradições e defeitos – a força da democracia americana, que indubitavelmente serve como farol e guia para o resto do mundo. Até porque, onde existe democracia perfeita no planeta, não é mesmo? O Brasil, sempre às voltas com golpes, que o diga.
Aos trancos e barrancos, divididos e cheios de dúvidas, os americanos assistiram, após uma campanha dramática e histórica – um presidente combalido pela idade (Joe Biden), uma vice sem nenhum carisma (Kamala Harris) e um candidato quase assassinado (Donald Trump) – à tradicional cerimônia de transição.
Cerimônia de posse
Todos os ex-presidentes compareceram, como é usual, em rito quebrado apenas pelo próprio Donald Trump, que não apenas deu péssimo exemplo de mau perdedor em 2021, como, antes, incentivou veladamente a invasão e o quebra-quebra do Capitólio, em 6 de janeiro daquele ano.
Em seu discurso de posse – um show midiático populista e ufanista de péssimo gosto -, prestigiado por um trilionário grupo de empresários intercontinentais como Jeff Bezos, da Amazon, Elon Musk, da Tesla, Mark Zuckerberg, da Meta, Sergey Brin, da Google e Bernard Arnault, da LVMH, Trump “mostrou as garras”.
Aludiu assumir um país decadente (mentira), violento (mentira) e prestes a ser invadido por imigrantes, o que, obviamente, também é mentira. Falou em censura de Estado (mentira), em perseguição política contra si (mentira) e em deportação de milhões e milhões de imigrantes ilegais (para não variar, outra mentira).
Ponto a ponto
Nos Estados Unidos, como no Brasil, e em quase todas as outras democracias do planeta, autoridades públicas, por vezes, utilizam o aparato estatal em benefício próprio e contra opositores. A depender do rigor da sociedade e da lei, uns (abusam) mais, outros, menos. Mas daí a falar em censura oficial nos EUA…
De igual sorte, não há ameaça de invasão nas fronteiras com o México que justifique o envio do exército como prometido, muito menos a possibilidade de deportação em massa de imigrantes ilegais: não há meios logísticos, legais e econômicos de se fazer isso. Muito menos sem desordem política e social.
E também, Trump jamais foi perseguido politicamente pela Justiça americana. Seus enroscos eram de ordem tributária (sonegação de impostos), criminal (escândalo sexual) e eleitoral (manipulação de votos), além de possível envolvimento com os atos de 6 de janeiro de 2021.
Polêmica forte
O populista anunciou medidas que significam muito pouco, ou quase nada, na prática, e soam, digamos desumanas, ou no mínimo descoladas dos tempos em que inclusão e tolerância se tornaram, mais do que recomendável, instrumento de pressão – e opressão – política de grupos identitários.
Um dos mais discutíveis atos presidenciais foi o que determina como gêneros apenas o masculino e o feminino. A grita açodada já começou, é claro, e não sem certa razão. Porém, é necessária uma lupa elementar, ou um pente fino lógico, antes de aderir ao alarmismo e sair por aí anunciando o fim do mundo.
Invocando a ciência – em se tratando dele é um progresso – e obviamente a realidade, Trump diz não haver outra forma de “sexo”. Está correto sob a ótica e lógica biológicas, mas nem tanto pelo propósito duvidoso. O que motivou o ato são certas “proteções” às mulheres, em serviços públicos, de que não gosta.
Pare, pense e (não) grite
Trump é radicalmente a favor da meritocracia, deixando de fora da seleção e da promoção em um trabalho, questões relacionadas à idade, gênero, classe social e cor da pele. A meu ver, uma decisão indevida, ainda que certas “regalias” possam carecer de equilíbrio. Não acho correto, contudo, tratar “a parte” como “o todo”.
Outro tema relacionado são as atletas trans, biologicamente homens, disputarem competições na categoria “feminino”. Neste caso, também a meu ver, não há como não se levar em conta a formação biológica e a desvantagem física que isso traz à disputa, que se torna injusta com as mulheres.
É muito fácil aderir à grita progressista, partindo apenas das manchetes, sem ao menos caminhar até o segundo parágrafo. Políticos poderosos, como Trump, devem ser vigiados e criticados, mas de forma e proporção corretas, sob pena de tudo parar na vala comum da patrulha ideológica.
Análise com critério
Este, aliás, é o desserviço que boa parte dos grupos identitários presta às boas causas. Como impõe pelo exagero ou por mentiras sua ideia de mundo – e não raro pela força bruta! -, que não admite nem sequer debatida, muito menos não acatada, atrai um tipo de oposição radical, extremista e pendular.
A análise jornalística independente, inteligente e responsável precisa, em nome das boas causas e da civilidade, ser a luz e a balança do debate público, atualmente extremista e polarizado. Do contrário, servirá apenas como viés de confirmação de bolhas manipuladas por populistas como, sim, Donald Trump.
Ao final, o presidente eleito anunciou que os Estados Unidos estão entrando em uma “era dourada”. Bem, que eu saiba, há séculos, nunca saíram. Os EUA são a mais rica, poderosa e influente nação do mundo. O discurso catastrofista de Trump, sobre um pais que não existe, só serve à sua retórica messiânica.
Last but not least
De importante e realmente preocupante, a despeito das ameaças comerciais, são duas promessas – uma, inclusive, parcialmente realizada: os Estados Unidos estão oficialmente fora do Acordo de Paris -, que são o abandono completo das políticas ambientais e a possível intervenção (à força) no canal do Panamá.
Alegando uma inexistente quebra de contrato dos panamenhos, Trump está dizendo ao mundo, especialmente Rússia e China, mais ou menos o seguinte: expandam seus territórios (Taiwan e Ucrânia que se virem) e poluam o planeta como bem entenderem, pois é o que farão os Estados Unidos da América.
Mesmo que seja – tomara! – mais uma de suas inúmeras bravatas, do outro lado da linha estão Xi Jinping e Vladimir Putin, cujos feitos precedem suas famas. Ainda que detenha o controle do Congresso, Trump pode muito, mas não pode tudo. Ao menos é o que espero. God bless America! E nóis também.
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Comentários (5)
FRANCISCO JUNIOR
22.01.2025 22:33Trump é um desastre para o planeta. Liberou um cara condenado por duas prisões perpétuas por criar site que é usado para as coisas mais medonhas, tipo tráfico de órgãos humanos. Mal exemplo em quase tudo. Mas não discordo de tudo que ele faz não, não faço parte de torcida. Por mais que eu deteste Bozo e Lula, em algumas (poucas) coisas eles acertaram. Tem que ser crítico, como propõe o colunista, mas não achar que é tudo 100% bom ou 100% ruim.
Leonardo Leonardi Boaventura
21.01.2025 19:40Ricardo Kertzman, excelente análise! Não devemos nos curvar aos messias, aos lacradores, aos extremistas e sectários. Vivemos em um mundo onde querem nos obrigar a sermos binários e não críticos. Belo texto! Crítico e não enviesado! Parabéns!
Luis Eduardo Rezende Caracik
21.01.2025 12:19Nos discursos de ontem, Trump mentiu muito, iludiu muito e creio que deixará os Americanos muito tensos e estressados durante os próximos 4 anos. Mas isso é problema dos americanos. Uma coisa porém chamou a atenção: Trump já abriu as portas para que as grandes empresas de tecnologia se transforme num polo geopolítico, que de certa forma já são, e ele as quer do lado dele.
Carlos Renato Cardoso Da Costa
21.01.2025 11:39Sem mais
Mauro Seraphim
21.01.2025 10:43Civilidade anda rara em alguns lugares do planeta, o que é uma pena.