“Esquerda brigou”, “Bolsonaro sancionou”: entenda os fatos e acesse as provas

13.06.2025

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“Esquerda brigou”, “Bolsonaro sancionou”: entenda os fatos e acesse as provas

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Felipe Moura Brasil
8 minutos de leitura 14.05.2025 10:24 comentários
Análise

“Esquerda brigou”, “Bolsonaro sancionou”: entenda os fatos e acesse as provas

Cronologia esclarece atos políticos que facilitaram esquema de fraudes no INSS

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Felipe Moura Brasil
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“Esquerda brigou”, “Bolsonaro sancionou”: entenda os fatos e acesse as provas
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Este texto registra apenas fatos verificáveis por todos os leitores nos links correspondentes – não narrativas atuais de bolsonaristas ou lulistas, membros deste ou daquele governo, sobre o que teriam feito ou deixado de fazer, ou sobre por que agiram de tal e qual maneiras.

Não é um texto sobre a responsabilidade criminal dos envolvidos nas fraudes do INSS, que ainda estão sob investigação, mas uma cronologia da brecha deixada por políticos que acabou facilitando o esquema.

Ela se divide em 5 etapas, que vêm sendo distorcidas por lulismo e bolsonarismo, até porque não têm sido devidamente separadas pela imprensa.

1.

Em 1991, o então presidente Fernando Collor de Mello sancionou o texto do projeto de lei 825/1991, que resultou na lei 8.213.

Ela dizia:

“Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: (…) V – mensalidades de associações e demais entidades de aposentados legalmente reconhecidas, desde que autorizadas por seus filiados.”

As “mensalidades” mencionadas são justamente os pagamentos cobrados dos aposentados por alegados serviços oferecidos pelas associações. O escândalo do INSS estourou em 2025 porque “mensalidades” não autorizadas por seus filiados geravam descontos indevidos no salário mensal deles.

O texto da lei sancionada por Collor exigia a autorização por parte dos filiados para a efetivação dos descontos, mas não definia obrigatoriedade e prazo para revalidação dela.

2.

Em 18 de dezembro de 2018 (14 dias antes de Michel Temer passar a faixa presidencial a Jair Bolsonaro, que havia derrotado o petista Fernando Haddad na eleição de outubro), o portal do Tribunal de Contas da União (TCU) publicou matéria com o seguinte título:

“Em três anos, fiscalização encontra dois milhões de benefícios do INSS com problemas graves”.

Os “três anos” destacados haviam sido os de 2015, 2016 e 2017, cada um deles referente a um assim chamado “ciclo” de fiscalização.

A Fiscalização Contínua de Benefícios (FCB) foi feita pela Secretaria de Controle Externo da Previdência, do Trabalho e da Assistência Social (SecexPrevidência), que não é vinculada ao governo federal, mas ao próprio TCU. A Secretaria era comandada por Fábio Henrique Granja e Barros, auditor sênior do tribunal desde 1999.

A FCB resultava de um acordo de cooperação técnica celebrado entre o TCU e o INSS em 2013. A metodologia da fiscalização foi iniciada em 2015. Ela não era fruto de indicados políticos de governos, mas do trabalho técnico de servidores concursados, explicado e registrado em diversos documentos oficiais, por exemplo: aqui, aqui e aqui.

“Na análise de tipologias (problemas considerados graves) realizada pela SecexPrevidência foram identificadas situações relacionadas à acumulação irregular de benefícios; benefícios pagos a pessoas que não cumpriam os requisitos legais; pagamentos calculados a maior; e pagamentos a beneficiários falecidos, entre outros. Foram mais de dois milhões de benefícios identificados, envolvendo valores diversos nos três ciclos. Somente em 2017 (Ciclo 3), foram mais de R$ 2,5 bilhões referentes apenas à Previdência Social”, resumia a matéria no portal do TCU.

A revelação pressionou a equipe de Bolsonaro a tomar providências logo no início do governo, seguindo os passos sugeridos pela SecexPrevidência.

3.

Em 17 de janeiro de 2019, os então ministros da Economia, Paulo Guedes, e Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, encaminharam ao então presidente Jair Bolsonaro (para “elevada apreciação de Vossa Excelência”) uma proposta de medida provisória (MP) para tratar dos referidos problemas.

Ao explicar para Bolsonaro o texto, eles expuseram, no item 20 da carta assinada por ambos, o que provocou a iniciativa:

“20. A fiscalização sobre a concessão, manutenção e pagamento de benefícios sociais permitiu, durante os três primeiros ciclos da chamada Fiscalização Contínua de Benefícios (FCB) realizada pelo TCU, a realização de trabalhos relacionados ao desenvolvimento de modelo de Mineração de Dados para identificar pagamentos indevidos ou fraudulentos. O cruzamento de dados de diversas bases da União apontou indícios de irregularidade em benefícios cujo valor total supera R$ 6 bilhões anuais.”

Aqui é preciso deixar claro, para evitar distorções, que não foram apontadas fraudes de R$ 6 bilhões à época. Esse era o valor total dos benefícios nos quais a fiscalização SecexPrevidência, do TCU, havia apontado vários tipos de irregularidades.

“No intuito de melhorar os controles do INSS e fortalecer o combate a fraudes e atos de corrupção, propõe-se a alteração da Lei n° 8.213, de 1991 reforçando os instrumentos de controle à disposição dos agentes administrativos, em especial o cruzamento de dados com outras bases mantidas pelos órgãos públicos, institucionalizando o modelo de Mineração de Dados do TCU.”

No dia seguinte, 18 de janeiro de 2019, o primeiro texto oficial da MP 871 foi publicado no Diário Oficial da União, com assinatura do então presidente Jair Bolsonaro.

O texto acrescentava vários parágrafos ao artigo 115 da referida lei sancionada por Collor.

O sétimo parágrafo da MP 871 dizia:

“Na hipótese prevista no inciso V do caput, a autorização do desconto deverá ser revalidada anualmente nos termos do disposto no Regulamento.”

A MP passou, então, a tramitar no Congresso Nacional, com criação de Comissão Mista (de deputados e senadores), onde são debatidos os itens do texto e apresentadas as sugestões de mudança (emendas).

O relator da MP 871/2019 no Congresso foi o deputado bolsonarista Paulo Eduardo Martins (na época, do PSC, mas desde 2022 do PL). Ele conduziu os trabalhos na Comissão Mista, que recebeu representantes de várias associações, como Contag, Cobap e Contraf Brasil.

Recebeu também Rodrigo Hildebrand, da equipe do TCU, que atestou presencialmente: “Existe uma relação direta do TCU com a MP (…). O tribunal tem bastante interesse de que esses controles sejam aprimorados e a MP vem neste sentido.”

Em resumo:

A defesa mais enfática para que a revalidação da autorização de desconto não fosse anual veio do então presidente da Cobap, Warley Martins Gonçalles, como mostrei em vídeo.

A alteração do dispositivo da MP 871 que impunha a revalidação anual resultou de emenda apresentada pelo deputado Vilson da Fetaemg (PSB-MG) e defendida por outros partidos de esquerda – como o PT.

O relator bolsonarista Paulo Eduardo Martins incorporou a mudança ao texto, que passou pela Comissão Mista e pelos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado.

O que fez Jair Bolsonaro?

Bolsonaro sancionou o texto da MP 871 alterado pelo Congresso a partir de emendas apresentadas pela esquerda.

O texto final da MP 871/2019 virou a lei 13.846, que dizia: “a autorização do desconto deverá ser revalidada a cada 3 (três) anos, a partir de 31 de dezembro de 2021”.

O dispositivo sancionado se tornou o parágrafo 6º do artigo 115 da lei 14.438 de 1991.

Na ocasião da sanção, Bolsonaro vetou outros itens do texto final da MP 871, mas não essa mudança – de “anualmente” para “a cada 3 (três) anos” – na periodicidade da revalidação.

4.

Em 2021, Jair Bolsonaro sancionou, sem vetos, o texto da MP 1006/2020, embora o também relator bolsonarista no Congresso, Capitão Alberto Neto (na época, do Republicanos, mas desde 2022 do PL), tenha inserido nele o adiamento, por um ano, da data inicial de contagem do prazo de três anos para a revalidação da autorização do desconto.

O próprio relator (como mostrei em vídeo) admitiu na Câmara ter feito isso a partir de demandas das associações Contag e Cobap, e da emenda apresentada pelo mesmo deputado de esquerda Vilson da Fetaemg (PSB-MG). Também assinaram essa emenda esquerdistas como Wolney Queiroz, então líder do PDT e hoje ministro da Previdência em lugar de Carlos Lupi; Danilo Cabral (PE), então líder do PSB; Enio Verri (PR), líder do PT; e Jorge Solla (PT-BA).

O texto final da MP 1006/2020, que virou a lei 14.131/21, dizia: “a autorização do desconto deverá ser revalidada a cada 3 (três) anos, a partir de 31 de dezembro de 2022, podendo esse prazo ser prorrogado por mais 1 (um) ano, por meio de ato do Presidente do INSS”. Ou seja: não mais a partir de 31 de dezembro de 2021, como previa o texto final da MP 871/2019.

5.

Em 2022, Jair Bolsonaro sancionou, sem vetos, o texto da MP 1107/2022, embora o relator no Congresso, deputado Luis Miranda (Republicanos), tenha inserido nele, atendendo ao lobby da Cobap, a revogação do parágrafo 6º do art. 115 da lei 8213/91 – ou seja, a revogação do trecho entre aspas que você leu no parágrafo acima, porque era ele que estava valendo. O texto sancionado, portanto, eliminou a obrigatoriedade de revalidação da autorização do desconto.

O texto final da MP 1107/2022 virou a lei 14.438, que diz: “Art. 18. Ficam revogados: (…) III – § 6º do art. 115 da Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991.”

Essa terceira sanção de Bolsonaro foi festejada pela Cobap, em seu site, como a vitória final.

****

Leia também: Entenda fraudes no INSS, narrativas do governo Lula e papel do jornalismo

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Felipe Moura Brasil

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Comentários (3)

FRANCISCO JUNIOR

14.05.2025 23:12

Bozo abriu a porteira e Lula deixou escancarada.


Um_velho_na_janela

14.05.2025 13:46

O Felipe, mais uma vez didático e definitivo, expõe a realidade de fatos amplamente sofismados pelas duas quadrilhas. Interessantes as démarches do assalto e constatada a cumplicidade geral. SEM EXCESÃO!!!


Alexandre Ataliba Do Couto Resende

14.05.2025 12:05

Pelo que entendi da investigação, essa questão da revalidação é um ponto secundário. O problema está na fraude da primeira autorização que não existia e depois pela desídia do INSS com as reclamações dos descontos não autorizados. Parece que nunca passou pela cabeça de ninguém parar os descontos a partir da reclamação, nessa hora passou a funcionar a burocracia estatal ou falando em uma linguagem popular a acessível o "criar dificuldades para vender facilidades". E isso vem de sempre no INSS, desde o esquema Jorgina de Freitas que era um entre muitos isso ocorre. Agora o que ocorreu foi uma ação coordenada, pelas informações divulgadas, entre Ministério, INSS, Associações e Sindicatos para lesar os aposentados mais isolados e sem muita condição de reclamar. Enfim, desde que comecei a ler jornais por volta de 1975 essa questão de desvios e fraudes do INSS é notícia. E não há novidade nisso. A novidade é um governo com histórico de malfeitos envolvido em desvios de aposentadorias.


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