Direita e esquerda: os dois polos da estupidez
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Direita e esquerda: os dois polos da estupidez

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Catarina Rochamonte
5 minutos de leitura 22.01.2025 13:42 comentários
Análise

Direita e esquerda: os dois polos da estupidez

Há, na sociedade brasileira, uma atmosfera autoritária perigosa, um ar difícil de respirar, politizado demais. Os sinais de que estamos no caminho da servidão voluntária são numerosos

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Catarina Rochamonte
5 minutos de leitura 22.01.2025 13:42 comentários 10
Direita e esquerda: os dois polos da estupidez
Reprodução

Direita e esquerda reduziram-se, no Brasil, a dois polos de estupidez. Isso chegou a um nível tal que não parece haver mais vida inteligente em nenhum dos lados dessa militância.

Cada um dos polos ideológicos, claro, vai se julgar superior; direitistas reacionários, principalmente aqueles que adquiriram seus conhecimentos políticos via Olavo de Carvalho e Brasil Paralelo medirão seu próprio conhecimento por contraposição à educação doutrinária e militante predominantemente de esquerda, a qual chamam depreciativamente (com uma dose de razão) de educação Paulo Freire.

Em ambos os lados, porém, há mero verniz intelectual encobrindo vasta ignorância. E aqui não faço apologia a um eruditismo vão e pedante. Pelo contrário, penso que faz falta nos dias de hoje a simplicidade da vida comum, o desprezo cético por teorias e discussões inócuas.

Temos vivenciado uma contínua subordinação das mais diversas esferas da vida às exigências políticas. Mas não há pensamento onde só há ideologia e, paradoxalmente, a politização de tudo equivale à própria destruição da política.

Isso tende a provocar nas pessoas mais sóbrias e ponderadas uma saturação, uma hostilidade e desprezo pela política e suas questões.

O debate público passa a padecer, com isso, de uma fuga de cérebros: aqueles que poderiam contribuir com alguma palavra sensata rendem-se ao cansaço e ao tédio, enquanto os exaltados, os fanáticos, os parvos e os mal-intencionados alçam a voz, preenchendo ruidosamente todos os espaços públicos, das redações de jornais aos púlpitos das igrejas, das tribunas às cátedras universitárias, das redes sociais aos quadros do funcionalismo público.

Essa extensão da visão político-partidária-ideológica para instâncias nas quais a importância política está justamente no caráter apolítico do exercício de tais funções é perigosa.

Há décadas, no importante ensaio “Verdade e Política”, a pensadora Hannah Arendt já alertava que determinadas instituições públicas, embora estabelecidas e apoiadas pelos poderes, precisam estar ciosamente protegidas da influência e da pressão política.

A politização, por exemplo, do judiciário e das instituições de ensino, algo tão gritante no Brasil, é inegavelmente prejudicial à cultura democrática, embora os que politizam tais setores o façam, na maioria das vezes, em nome da democracia.

Outro setor seriamente afetado pela estupidificação ideológica, pela má-fé e pelo servilismo dos que se curvam ao poder em detrimento de suas precípuas funções é a imprensa.

Em artigo recente, o jornalista Felipe Moura Brasil analisou o problema do ativismo no jornalismo mostrando os prejuízos da ausência de distinção entre informação e juízo de valor:

“No mercado da comunicação, além da eventual indistinção entre setores noticiosos, analíticos e opinativos, há profissionais e ´especialistas´ que buscam dar ares de informação a seus juízos de valor, enviesando o noticiário e turbinando um dos maiores problemas do nosso tempo: a perda da base comum de realidade objetiva, que finca as discussões públicas em alicerces factuais”, escreveu o diretor de Jornalismo desse portal O Antagonista e da revista Crusoé.

No já referido ensaio, Hannah Arendt analisa essa confusão entre fato e opinião, assim como a hostilidade à verdade factual quando esta se opõe ao lucro ou ao prazer de um determinado grupo. Esse aspecto também é abordado no artigo de Felipe Moura, que denuncia o ativismo político autoritário que busca deslegitimar com ofensas e distorções as poucas fontes idôneas de conhecimento factual.

Hannah Arendt foi uma filósofa judia, que fugiu do nazismo e se estabeleceu nos Estados Unidos, tornando-se uma pensadora mundialmente reconhecida por ocasião da publicação de As origens do totalitarismo (1951).

Sua obra analisa não apenas as entranhas de uma sociedade que se precipitou no abismo totalitário, mas expõe também os resquícios de tendências totalitárias que permanecem em germe nas sociedades atuais.

Não apenas na sociedade mundial, mas também aqui, na sociedade brasileira, há uma atmosfera autoritária perigosa, um ar difícil de respirar, politizado demais. Os sinais de que estamos no caminho da servidão voluntária são numerosos.

Esse caminho se alarga mais toda vez que o influente militante da direita aponta o dedo para toda a esquerda, amaldiçoando-a e o influente militante da esquerda aponta o dedo para toda a direita, defenestrando-a, como se apenas ali, no espectro político que não lhe diz respeito, estivesse todo o perigo e todo o mal.

A demonização do adversário político serve aos propósitos dos autoritários e o pendor autoritário é ambidestro.

O Brasil está mergulhado em um caos social. A raiva, o rancor, a decepção, a frustração dos brasileiros será mais uma vez manipulada, instrumentalizada se não rompermos a bolha da ignorância e do fanatismo.

Ainda somos uma democracia. Uma democracia disfuncional, agonizante. Cabe a nós, porém, revigorarmo-nos como nação livre, plural e tolerante ou deixarmos o nosso país se enterrar de vez ao som da trombeta apocalíptica de qualquer discurso político demagógico de ocasião.

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Catarina Rochamonte

Professora e escritora, com graduação, mestrado e doutorado em Filosofia, e pós-doutorado na área de Direito.

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Comentários (10)

Glaucia Margaret Dos Santos Penedo E Paiva

05.02.2025 22:24

Excelente! Parabéns Catarina!


FRANCISCO JUNIOR

26.01.2025 22:15

Perfeito. Fico pensando em um petista ou um bolsonarista lendo isso e torcendo o nariz, não entendendo a realidade.


Beth 11

24.01.2025 16:35

Parabéns Catarina pela sua lucidez! Mais um excelente artigo, desenvolvido lindamente 🤩


Eliane Monteiro

23.01.2025 07:17

Diante de um artigo tão preciso, coeso e muito rico na análise da nossa época e da atmosfera brasileira, só posso agradecer à autora pela contribuição para o pensamento atual e mais ainda, pela entrega de um entendimento que relembra as possibilidades de sensatez, inteligência (algo que difere de esperteza) e humanidade (aquela que a prof. Lúcia Gelena Galvão nos lembra a todo instante) que podemos aplicar e entregar ao nosso meio e ao nosso país. Muito obrigada pela análise excelente, pela coragem e por buscar pela nossa humanidade a cada escrito e estudo.


Marcelo José Dias Baratta

23.01.2025 03:07

De muito não leio algo tão inteligente, gostei especialmente do "revigorarmo-nos" isso porque realmente, qualquer reação a esse estado de coisas, deve ser ação, primeiramente, individual, de cada um de nós. Esse chamamento à responsabilidade pessoal pela mudança de algo, é lindo, no meu ver, afinal, somos ou não somos parte desta sociedade brasileira, queremos ou não queremos que algo melhore, ou preferimos nos enterrarmos vivos diante de tanta bestialidade. Parabéns Professora Catarina, fico feliz que ainda há inteligência nessa vastidão de ignorância que se tem tornado nosso país.


João Bento Corrêa Lima

22.01.2025 21:15

Excelente artigo! Leio toda semana o que a professora Cararina escreve. Aprendo bastante com Ela. Continue assim professora!


Washington

22.01.2025 17:33

O extremismo atrai, a estrada do fanatismo é larga. Todavia, quero acreditar que a sensatez haverá de prevalecer. Parabéns por sua luta e insistência, Catarina.


Luis Eduardo Rezende Caracik

22.01.2025 15:43

Excelente artigo. Espero que seus colegas articulistas e jornalistas de "O Antagonista" também o leiam e reflitam.


Um_velho_na_janela

22.01.2025 15:28

Catarina, pelo título de seu artigo, não preciso nem ler a matéria para não me irritar mais ainda, concordo em gênero e grau com sua conclusão. Eu só não sei se o nosso contínuo retrocesso no índice de QI médio é causa ou efeito da polarização idiota.


Ivan Celestino De Souza

22.01.2025 14:21

Síntese perfeita desse país


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