Bolsonarismo quer licença para reincidir no crime Bolsonarismo quer licença para reincidir no crime
O Antagonista

Bolsonarismo quer licença para reincidir no crime

avatar
Carlos Graieb
5 minutos de leitura 11.09.2024 16:11 comentários
Análise

Bolsonarismo quer licença para reincidir no crime

Deputado Rodrigo Valadares apresenta relatório vergonhoso, que facilita a realização de atentados contra a democracia

avatar
Carlos Graieb
5 minutos de leitura 11.09.2024 16:11 comentários 0
Bolsonarismo quer licença para reincidir no crime
Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados

Relator do projeto de anistia aos insufladores e participantes do 8 de Janeiro, o deputado federal Rodrigo Valadares (foto/União-SE) prometeu elaborar um parecer “sóbrio, sólido e que tenha efeito”, mas fez o contrário disso. 

Além de falsificar a história recente e distante na justificativa do projeto, ele incorporou ao texto dispositivos que vão muito além do mero perdão aos crimes do bolsonarismo. Não há nada de “sóbrio” nessa chicana.  

O deputado quer abrandar os crimes de tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, dizendo que eles só se configuram quando houver violência ou grave ameaça contra pessoas. Assim, a depredação da Praça dos Três poderes poderia se repetir mil vezes sem que fosse vista como um atentado à democracia. 

Abrandamento da legislação

Ele também incorporou ao seu monstrengo legislativo, que aguarda votação na Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), artigos que são ilegais, antes mesmo de serem inconstitucionais, pois tentam proibir juízes de interpretar a lei ou aplicar a ela conceitos derivados da doutrina jurídica, como o de crime multitudinário – que é aquele praticado por uma multidão. 

A CCJ, dominada por bolsonaristas, está pronta a dar o seu aval a essa barbaridade, sem medo do ridículo. Repito: em nenhum ordenamento jurídico do mundo a legislação pode proibir juízes de interpretar a lei.  Não há nada de “sólido” nessa patuscada.

O abrandamento da legislação que procura coibir atentados contra a democracia e a tentativa de manietar o judiciário mostram qual é o verdadeiro propósito dessa intentona legislativa: não apenas livrar a cara dos “coitadinhos do golpe”, mas também abrir caminho para outras marchas sobre Brasília, outras depredações, outros desvarios autoritários.  

Falsificação da história

Sobre a falsificação da história, é preciso primeiro atacar a mãe de todas as falácias: a de que tudo que ocorreu no 8 de Janeiro foi uma “catarse” de indignados, como disse Jair Bolsonaro num discurso no último sábado, 7 de setembro. 

Escreve o deputado Valadares: “Diferentemente do que é defendido, que aqueles atos poderiam ensejar em [sic] um princípio de Golpe de Estado, as características postas tornavam tal ação impossível, devido à falta de liderança e a ausência de apoio militar.” 

Isso é mentira. A liderança foi de Bolsonaro.  Não naquele dia propriamente dito, pois ele havia escapulido ardilosamente para os Estados Unidos, mas nos quatro anos anteriores, repletos de convites à subversão feitos desde a cadeira presidencial.  

Quanto à falta de apoio militar, os vândalos tinham a esperança, senão a certeza, de que ele viria. Sua expectativa era exatamente a de que a invasão da Praça dos Três Poderes levasse às ruas os militares golpistas, que até aquele momento haviam encorajado a sua presença na entrada de quartéis.  

É notório o ódio direcionado por essa gente aos militares que escolheram o lado da lei em vez permitir a consumação do golpe que eles tentaram. Atenção: tentaram. O que já basta para tipificar os crimes contra a democracia previstos no Código Penal. 

“Tradição de anistia”

Rodrigo Valadares invoca a “tradição de anistia” existente no Brasil e até as palavras do célebre Ruy Barbosa para dizer que lei que ele propõe vai servir ao “alívio institucional” e à “pacificação política”.  

Sim, é verdade que a história brasileira está cheia de anistias.

Mas essa que a minoria bolsonarista está querendo impor ao país (e não venham querer me taxar de esquerdista, porque abomino tanto a “democracia relativa” de Lula quanto o populismo autoritário de Bolsonaro) só é irmã daquela articulada pelo presidente Juscelino Kubitschek, em 1960, para os golpistas que atentaram contra o seu governo em 1956 e 1959. 

Irmã, vejam bem, não no espírito, mas nas prováveis consequências.

Anistiados violentos

Nas duas ocasiões, oficiais da Aeronáutica se rebelaram nas bases de Jacareacanga e Aragarças, respectivamente. Depois de anistiados, seus principais líderes, em vez de se mostrarem satisfeitos com a “pacificação”, reincidiram, aderindo ao golpe militar de 1964.  

Um deles, o tenente-coronel João Paulo Burnier, depois de passar algum tempo escondido na Bolívia, voltou para participar da deposição do governo de João Goulart, instalando cargas de dinamite no Palácio da Guanabara, no Rio de Janeiro. 

A anistia desenhada por Valadares e seus colegas de Congresso não pode ser comparada nem mesmo à de 1979, promulgada pela ditadura militar.

Naquela época, o regime reconheceu, mesmo que implicitamente, que havia cometido atrocidades. As lideranças bolsonaristas não têm a dignidade de assumir nenhuma responsabilidade pelos quatro anos de radicalização política que desaguaram no 8 de Janeiro.  

O que elas querem? Fugir de punição e apagar a história. Também não oferecem nenhuma garantia de paz para os brasileiros, uma vez que esteja assegurado o seu livramento. Pelo contrário, querem ter tranquilidade para reincidir no golpismo, graças às modificações na legislação que protege a democracia que Valadares incorporou ao seu relatório. 

Vergonha a quem votar esse projeto.  

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

Aliados de Bolsonaro admitem que ele errou em disputa contra Marçal

Visualizar notícia
2

Elon Musk apresenta Optimus, um humanóide "faz tudo"

Visualizar notícia
3

ONU acusa Israel de genocídio e revolta especialistas

Visualizar notícia
4

ISIS planejava ataque mortal no dia das eleições

Visualizar notícia
5

Coaf vê envolvimento de autoridade em esquema para venda de decisões no STJ

Visualizar notícia
6

Exército de Israel elimina chefe da Jihad Islâmica

Visualizar notícia
7

Obama faz piada de mau gosto sobre Trump e gera polêmica

Visualizar notícia
8

Crusoé: Deixem o Congresso trabalhar

Visualizar notícia
9

Hitler é preso no Rio por matar mulher de rua

Visualizar notícia
10

Polícia encontra carros com explosivos no Rio

Visualizar notícia
1

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
2

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

"Só falta ocuparem nossos gabinetes", diz senador sobre ministros do Supremo

Visualizar notícia
5

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
6

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
7

Governo prepara anúncio de medidas para conter queimadas

Visualizar notícia
8

Crusoé: Missão da ONU conclui que Maduro adotou repressão "sem precedentes"

Visualizar notícia
9

Cadeirada de Datena representa ápice da baixaria nos debates em São Paulo

Visualizar notícia
10

Deputado apresenta PL Pablo Marçal, para conter agressões em debates

Visualizar notícia
1

Acusado de agressão por Cíntia Chagas, deputado lamenta: “Jamais esperava”

Visualizar notícia
2

Mudanças climáticas: deserto do Saara inundado

Visualizar notícia
3

Irã ameaça os estados árabes se ajudarem Israel e os EUA

Visualizar notícia
4

Coaf vê envolvimento de autoridade em esquema para venda de decisões no STJ

Visualizar notícia
5

Exército de Israel elimina chefe da Jihad Islâmica

Visualizar notícia
6

Elon Musk apresenta Optimus, um humanóide "faz tudo"

Visualizar notícia
7

Crusoé: Um país em busca de novos líderes

Visualizar notícia
8

Polícia encontra carros com explosivos no Rio

Visualizar notícia
9

'Ninguém quer': série de romance da Netflix, vai ganhar nova temporada. Confira

Visualizar notícia
10

Nobel da Paz premia organização japonesa que luta contra armas nucleares

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter

Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

8 de janeiro anistia bolsonarismo CCJ da Câmara Congresso Nacional Rodrigo Valadares
< Notícia Anterior

Crusoé: metade do Timor Leste acompanha missa de Francisco

11.09.2024 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

André Marques voltará para a televisão?

11.09.2024 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

Crusoé: Deixem o Congresso trabalhar

Crusoé: Deixem o Congresso trabalhar

Duda Teixeira Visualizar notícia
Boulos “troca” invasão e carteira assinada por empreendedorismo; nada como uma eleição

Boulos “troca” invasão e carteira assinada por empreendedorismo; nada como uma eleição

Ricardo Kertzman Visualizar notícia
Duda Teixeira na Crusoé: É imperativo"recivilizar" o STF

Duda Teixeira na Crusoé: É imperativo"recivilizar" o STF

Duda Teixeira Visualizar notícia
Pacote de contenção do STF é retaliação do Centrão ao Judiciário

Pacote de contenção do STF é retaliação do Centrão ao Judiciário

Wilson Lima Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.