Anistia sim; para Bolsonaro e para a “rataria”, não
A injustiça contra os condenados do 8 de janeiro tornou-se ainda mais patente com as revelações do inquérito da “Rataria”
Felipe Moura Brasil publicou, em O Antagonista, texto extenso e criterioso detalhando palavras e ações não republicanas de Jair Bolsonaro e seu entorno, elencadas desde julho de 2022 até o recente indiciamento pela Polícia Federal do ex-presidente e mais 36 envolvidos como suspeitos em uma tentativa de golpe de Estado.
O título do artigo – “Como Bolsonaro alimentou a ´Rataria´”– já indica ao leitor o nível rebaixado no qual os planejamentos do assalto ao poder transcorreram. “Rataria”, no caso, foi palavra usada por um dos participantes do plano para designar os aliados mais aloprados do então ainda presidente Bolsonaro: aqueles que estariam dispostos a agir fora do limite de inibições éticas.
Há quem continue negando os fatos ou minimizando sua gravidade. Se o caro leitor é um desses, sugiro consultar as quase 900 páginas do inquérito da PF que resultou no indiciamento ou ir direito à cronologia dos fatos resumida no artigo supracitado. Limito-me aqui a comentar o tema da Anistia aos condenados do 8 de janeiro.
PL da Anistia
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) 5064/2023 que concede anistia aos acusados e condenados pela invasão das sedes dos três poderes da República em 8 de janeiro de 2023.
Esse PL tinha boas chances de ser aprovado até quando sobrevieram, seguidamente, a tragédia do bolsonarista suicida que atacou o Supremo Tribunal Federal e o inquérito em tela. Agora, sua aprovação tornou-se improvável; e muitos já dão a antes possível Anistia como morta e enterrada.
Mas a anistia me parece justa, desde que haja o cuidado de afastar o claro objetivo de anistiar os condenados pela sublevação de 8 de janeiro do insinuado propósito de fazer subir nesse PL um “jabuti” para recuperar a elegibilidade de Bolsonaro e/ou salvá-lo antecipadamente de possíveis futuras condenações em face dos vários inquéritos policiais de que é objeto; medida que poderia se estender aos 36 outros envolvidos no inquérito do momento.
A inelegibilidade de Jair Bolsonaro deve ser considerada à parte. O ex-presidente foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral por ter – quando no cargo de Presidente da República – reunido embaixadores para desabonar a Justiça Eleitoral brasileira contando mentiras (pelo menos, ele jamais juntou às graves acusações que fez nenhum fiapo de prova). Portanto, esses fatos não estão vinculados aos episódios de 8 de janeiro e não tem cabimento apelar para que sejam tratados no PL da Anistia.
Os condenados do 8 de janeiro de 2023 e a rataria
Embora haja vínculos entre a invasão dos três poderes em 8 de janeiro de 2023 e o suposto planejamento de golpe de Estado transcorrido entre novembro e dezembro de 2022, eles não são a mesma coisa; e mais: condenação é uma coisa e inquérito é outra.
Quem é condenado está cumprindo pena ou foragido. Quem é alvo de inquérito – salvo decretação de prisão preventiva – permanece em liberdade com largo tempo pela frente para poder se defender. A defesa de Bolsonaro e dos outros 36 envolvidos tem a oportunidade de tentar provar que são inocentes sem necessidade de pleitear qualquer anistia.
Em relação aos “peixes pequenos” já condenados pela baderna de 8 de janeiro há uma flagrante injustiça na forma de exorbitância das penas: condenações de até 17 anos de reclusão para pessoas que vandalizaram os ambientes dos poderes, quebraram vidraças, surrupiaram lá uns objetos, sentaram nas cadeiras de autoridades, escreveram desaforos em estátuas com batons…
Sem dúvida, são ações reprováveis e merecedoras de punição; jamais, porém, num exagero de dosimetria de pena que revela mais o desejo de vindita do que o cumprimento sensato e equilibrado daquilo que a Lei e a Justiça ordenam.
Qual seria a dosimetria justa nesses casos? Não sei, mas o bom senso diz que os condenados já pagaram o suficiente; daí a urgência da viabilização do PL da anistia.
A injustiça contra os condenados do 8 de janeiro tornou-se ainda mais patente com as revelações do inquérito da “rataria”.
Os referidos condenados – na maior parte gente humilde e anônima – foram instrumentalizados: usados como massa de manobra por gente poderosa que segue livre. Se agora essa gente – ou parte dela – encontra-se num certo aperto por causa do inquérito da PF, que não busque escapar prejudicando aqueles que já foram tão prejudicados por suas inescrupulosas manipulações; que não tente a “rataria” pegar carona na anistia alheia.
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Comentários (1)
Marcelo
29.11.2024 14:20Verdade lúcida e luminar