A morte do espantalho fascista A morte do espantalho fascista
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A morte do espantalho fascista

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Rodolfo Borges
7 minutos de leitura 10.11.2024 11:45 comentários
Análise

A morte do espantalho fascista

Talvez ainda seja cedo para decretar a morte da surrada retórica contra o fascismo imaginário, mas ela sofreu um de seus piores golpes com a nova eleição de Trump

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Rodolfo Borges
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A morte do espantalho fascista
Ilustração: IA por Duda Teixeira

Talvez ainda seja cedo para decretar a morte da surrada retórica contra o fascismo imaginário, esse espantalho que pauta as eleições da última década nas democracias ocidentais. Mas é inegável que ela sofreu um de seus piores golpes com a nova eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos.

Afirmar que um político não é fascista não significa dizer que ele é bom. É possível ser ruim sem ser fascista. É possível até representar uma ameaça à democracia sem ser fascista.

O uso do rótulo exagerado facilita a comunicação dos perigos e a mobilização política, mas desgastou o termo, que foi progressivamente se esvaziando de sentido e se enfraquecendo. Diferente de 2016, Trump ganhou a eleição americana não apenas no colégio eleitoral, mas no voto popular, o que não ocorria há 20 anos para um candidato republicano.

Irônica e tragicamente, essa retórica inflamada em nome da democracia não faz nada bem à democracia.

Leia também: O problema de chamar todos de “extrema direita”

E o comunismo?

A acusação de fascismo convive com a acusação de comunismo em praticamente todo o mundo democrático ocidental, com a diferença de que não existem mais partidos declaradamente fascistas nesses país, enquanto persistem os comunistas, inclusive no Brasil.

Há, portanto, um desequilíbrio na forma como as acusações são feitas, ainda que, a depender do contexto, mesmo membros de partidos comunistas digam que não são exatamente comunistas — ou que o comunismo mudou, como fazia o hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino quando era filiado ao PCdoB.

“Extrema direita”

Popularizou-se na academia americana nos últimos anos, e por consequência no mundo inteiro, o conceito de “extrema direita”, com que passaram a ser rotulados líderes de direita populares — ou populistas — ao redor do globo.

Além de Trump, que costumava doar para políticos do Partido Democrata antes de passar a militar — e se eleger — pelo Partido Republicano, fazem parte desse grupo de rotulados o ex-presidente Jair Bolsonaro, o presidente argentino, Javier Milei, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, e a francesa Marine Le Pen, entre outros.

Todos esses políticos são diferentes, porque seus países têm problemas e anseios diferentes, mas o que os aproximaria do fascismo, segundo os rotuladores, são o discurso nacionalista, a retórica contundente — ou agressiva, a depender de quem ouve — e a falta de apreço pelas instituições.

Nenhum deles faz alusões a Benito Mussolini, contudo, e nenhum conseguiu, até agora, causar danos consideráveis às democracias de suas nações — o mesmo não pode ser dito sobre o húngaro Viktor Orbán e o salvadorenho Nayib Bukele.

Leia também: Extrema direita ou extrema esquerda? Qual ameaça mais o Brasil?

Democracia?

Mas Trump e Bolsonaro tentaram causar dano à democracia, argumentará quem os enxerga como risco. É verdade, mas isso não os distingue exatamente de seus opositores. Todo político com poder representa um potencial perigo à democracia, ainda que seja mais fácil perceber isso em uns do que em outros.

Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden, que propôs uma reforma de ocasião para mudar a Suprema Corte de maioria conservadora —ataque às instituições? —, forçou uma tentativa de reeleição mesmo sem ter mais condições físicas ou mentais para um segundo mandato.

Encurralados pela realidade, os democratas impuseram aos eleitores uma candidata artificial, que acabou sendo incapaz de cativar a maioria dos americanos e entregou a presidência de novo nas mãos de um homem que eles rotulam de fascista.

Brasil

No Brasil, Bolsonaro é investigado pela tentativa de permanecer no poder sem precisar ser reeleito. As investigações indicaram tratativas para dispensar o processo eleitoral que acabaria levando Lula de volta ao poder.

A tentativa não vingou, ao que tudo indica, porque os chefes militares não embarcaram na aventura. Mas o que dizer da volta de Lula ao poder?

O petista foi beneficiado por decisões judiciais de caráter no mínimo duvidoso para poder voltar a concorrer e, desde então, esse benefício vem se estendendo para seus aliados, muitos dos quais confessaram crimes de corrupção, desvelados pela maior operação policial da história do Brasil, e chegaram a ressarcir os cofres públicos. É isso uma democracia?

Contradições

Os perdões partem direto do STF, o tribunal responsável não apenas por investigar Bolsonaro, mas todos os envolvidos naquilo que os ministros da Corte Suprema brasileira identificaram como tentativa de golpe de Estado ao condenar invasores das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 — o impacto da categórica reação do tribunal para a liberdade de expressão no país é um capítulo à parte, e levou os brasileiros a atravessar o primeiro turno das eleições municipais deste ano sem a principal rede social para o debate político no Brasil.

A distância entre o tratamento dispensado pelo STF aos grupos de Bolsonaro e Lula não advoga a favor do discurso dos ministros do tribunal em defesa da democracia brasileira. E isso abre mais uma ferida na alegada luta contra aquilo que se rotula de fascismo ou extrema direita no Brasil.

Se há algo que aproxima os resultados da eleição presidencial americana e da eleição municipal brasileira, além da derrota da esquerda, é que ambas parecem ter sido decididas por questões mais palpáveis do que o debate ideológico propõe, ainda que seja possível debater temas como imigração e inflação a partir de perspectivas ideológicas.

Vigilância

O debate eleitoral sobre valores obviamente nunca vai deixar de existir, e é relevante, mas apenas quando as condições de vida do eleitor — economia, segurança, saúde — lhe derem tranquilidade para pensar nessas coisas.

No momento, o discurso de direita parece responder melhor, em vários países, a esses problemas reais, possivelmente porque o discurso de esquerda se distanciou demais da realidade em nome de um mundo ideal que não leva em conta a vida real.

Trump foi eleito com promessas econômicas praticamente irrealizáveis, para atrair um eleitorado desconfortável com o aumento do custo de vida nos Estados Unidos. O compromisso de deportar imigrantes ilegais também é de muito difícil aplicação.

Desconfiança

Esses são os problemas reais de onde deve partir a presidência do republicano, e as críticas daqueles que apontarem seus erros e limites na hora de lidar com essas questões só serão ouvidas se fizerem sentido. É preciso ser minimamente justo ao vigiar um governante, sob o risco de fortalecê-lo ao tentar enfraquecê-lo.

Só há uma coisa pior do que elogiar um político ruim: fazer uma crítica injusta a ele. Trump, Biden, Lula ou Bolsonaro precisam ser encarados, todos, com muita desconfiança. E com serenidade. A crítica histérica e desqualificada só fortalece o governante — e não faz bem nenhum à democracia.

Leia mais: Vitória de Trump reforça desconexão da imprensa com o povo

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Rodolfo Borges

Rodolfo Borges é jornalista formado pela Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou em veículos como Correio Braziliense, Istoé Dinheiro, portal R7 e El País Brasil.

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