A lição do advogado do Google ao STF sobre censura e democracia
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A lição do advogado do Google ao STF sobre censura e democracia

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Felipe Moura Brasil
6 minutos de leitura 01.12.2024 15:02 comentários
Análise

A lição do advogado do Google ao STF sobre censura e democracia

Sustentação oral de Eduardo de Mendonça viraliza nas redes sociais, enquanto Moraes e Toffoli buscam formas de puni-las

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Felipe Moura Brasil
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A lição do advogado do Google ao STF sobre censura e democracia
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr

Cresce na internet a repercussão do vídeo com a sustentação oral feita na quarta-feira, 27, pelo advogado Eduardo de Mendonça, que representa o Google no Supremo Tribunal Federal, em julgamento de duas ações que tratam da responsabilidade civil das plataformas por conteúdos de terceiros e da possibilidade de remoção de conteúdos ofensivos ou que incitem ódio a partir de notificação extrajudicial, ou seja, sem determinação judicial.

Enquanto Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, os ministros responsáveis pela censura à Crusoé em 2019, continuam em busca de maior poder para editar o debate público conforme suas convivências, Eduardo de Mendonça deu a eles uma lição democrática basilar.

“A censura sempre começa com bons propósitos. Não só a censura. O cerceamento à liberdade de expressão sempre começa com bons propósitos, mas ele, invariavelmente, degenera. Porque a censura é intrinsecamente aristocrática. Ela parte da premissa de que as pessoas não são capazes de olhar por si, e que precisam de alguém que diga a elas, ou esconda delas, aquilo que elas não são capazes assimilar.

Se a proteção da democracia exige isso, se a proteção da democracia exigir que se crie todo o tipo de incentivo à remoção de conteúdos que são controversos, então talvez, no final, o que sobre não seja exatamente a democracia liberal como nós a conhecemos. E a democracia liberal [é] que foi a solução do mundo para superar todos os vícios e ciclos de atraso, que existiam desde antes da internet. E de autoritarismo, de preconceito e de intolerância, que existem desde antes da internet”, disse o advogado do Google.

Ele foi até generoso, evitando maiores atritos com os julgadores da causa. A rigor – como mostrei aqui, aqui e aqui, ao detalhar a origem do inquérito das fake news -, a censura no STF já começou com o mau propósito de impedir a imprensa de divulgar verdades inconvenientes sobre ministros da Corte. Eles apenas afetaram, simularam, fingiram o bom propósito de defender as instituições brasileiras de “ataques”.

Como o reacionarismo aloprado de bolsonaristas facilitou a legitimação posterior da narrativa, Moraes e Toffoli se acostumaram na fantasia e agora não querem mais largar dela.

Segundo Moraes, “o dia 8 de janeiro [de 2023] demonstrou a total falência do sistema de autorregulação de todas as redes, de todas as big techs”.

“É faticamente impossível defender, após o dia 8 de janeiro, que o sistema de autorregulação funciona. Falência total e absoluta, instrumentalização e, lamentavelmente, parte de conivência. Por que digo de falência? Falência porque tudo foi organizado pelas redes, ou parte das redes.

Todos se recordam aqui, a festa da Selma. Selma, mulher de um dos generais investigados. Depois, no dia, a Praça dos Três Poderes invadida, o Supremo sendo destruído, o Palácio do Planalto, as pessoas fazendo vídeo, postando nas redes sociais, chamando gente para destruir, e as redes sociais não retiraram nada. Por quê? Like em cima de like, sistema de negócio, monetização”, justificou o ministro.

É como se o “sistema de autorregulação” das operadoras de telefonia tivesse falhado em todos os crimes organizados pelo telefone; sem falar na “falência total e absoluta” demonstrada pelo “sistema de autorregulação” de fabricantes de talheres em esfaqueamentos, das montadoras de carros em acidentes de trânsito e das construtoras de piscina em afogamentos.

Moraes aponta “conivência” dos meios de ação utilizados por eventuais criminosos desde a fase de planejamento, como se coubesse a donos e criadores desses meios exercer um papel supostamente preventivo de polícia e juiz ao mesmo tempo, estabelecendo, com base em especulação e adivinhação, uma censura instantânea contra qualquer uso que possa vir a ser interpretado como indevido pelo STF.

No caso de combinações de manifestações que resultam em atos de violência, por exemplo, as plataformas ainda teriam que distinguir quais postagens apenas convocam manifestantes e quais fazem apologia de supostos crimes a serem cometidos nos atos? Ou Moraes espera delas a derrubada de todas as postagens com mobilizações críticas a ministros do Supremo, essas mentes iluminadas que, há cinco anos, dizem ser a encarnação mesma da democracia?

Há um imenso número de postagens incômodas a autoridades melindrosas, que essas autoridades querem definir como criminosas, ameaçando punição caso as plataformas se recusem a censurá-las por conta própria. Mesmo após representantes das redes terem apresentado dados sobre a quantidade de publicações derrubadas por suas iniciativas, Moraes afirmou que “não houve e não vem havendo” empenho delas para combater o que o ministro considera que deve ser combatido.

O empenho nunca será suficiente, enquanto as redes não se limitarem à cobertura chapa-branca de emissoras de TV e rádio que recebem fortunas em verbas de publicidade federal e/ou que são comandadas por empresários amigos dos ministros, como aquela onde Gilmar Mendes comenta até o pacote fiscal do governo Lula.

Segundo Toffoli, “as redes sociais se alimentam, sim, de inverdades, de estímulo ao ódio, de estímulo a todo o tipo de situação ilícita, porque, infelizmente, a maioria das pessoas torcem nos filmes pelo bandido, e não pelo mocinho”.

Ainda que fosse verdade essa “pesquisa” do “DataToffoli”, é melhor torcer pelo bandido em filmes que aliviar a barra de criminosos, inclusive confessos, na vida real, como vem fazendo o “amigo do amigo do meu pai” no STF. 

Como Toffoli chamou de “mentiras” as verdades de Crusoé a seu respeito, bem como pediu investigação sobre “a calúnia, a difamação, a injúria” e os “ataques” supostamente cometidos por um procurador que apenas descreveu na raiz a articulação de ministros do STF para melar a Lava Jato, sua autoridade moral para definir “inverdades” é nula, que dirá o “ódio”.

“Aquilo que dá like nas redes sociais não é a verdade, não são as boas ações, não são as redes de ajuda. Infelizmente, o que dá like, impulsionamento e mais marketing e publicidade e mais ganho, e, ao fim e ao cabo, é business, é de dinheiro que se trata. Não há interesses outros que não o lucro”, acrescentou Toffoli, resgatando a velha retórica anticapitalista do PT.

Enquanto esposas de ministros do STF se tornam advogadas de empresários aliviados de multas bilionárias por eles próprios, as mentes iluminadas da Corte querem impor à sociedade brasileira o que elas consideram “boas ações”, notadamente alheias a interesses mesquinhos.

O advogado do Google tem razão. Isso é o resgate do autoritarismo e da intolerância que existem desde antes da internet, jamais a democracia que o Supremo jura defender.

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