A hipocrisia de Hugo Motta no combate ao IOF
Deputados falam em corte de gastos do governo, mas criam brechas para enfiar mais uma gorda colher no pote público

Pois é. Eles, os “paladinos da justiça social e tributária”, são rápidos quando querem. E também são generosos consigo mesmos, pois isso, sempre querem. No mesmo dia em que lideranças da Câmara articulam a derrubada do decreto confiscatório – mais um! – do governo Lula, que aumentaria o IOF, o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos‑PB), lidera um projeto para que deputados possam acumular aposentadoria com salário integral de mandato e ainda receber gratificação natalina, conforme matéria publicada no portal UAI.
Isso mesmo. Falam em corte de gastos do governo, mas criam brechas para enfiar mais uma gorda colher no pote público. Já não lhes bastam os bilhões de reais do Fundo Eleitoral, os bilhões de reais do Fundo Partidário, os bilhões de reais de emendas parlamentares, os bilhões de reais do custeio da Câmara. É preciso mais. O projeto foi pautado com urgência e assinado por partidos da base e oposição (PT, PL, União Brasil, PP, PSD). O MDB foi o único partido da Mesa Diretora a não aderir.
A justificativa é a de sempre: legalidade, isonomia, direito adquirido. Palavras que, na boca de quem legisla em causa própria, viram disfarce para obscenidade. E não é pouca. Desde 1997, é vedado o acúmulo de aposentadoria parlamentar com vencimento de mandato. Motta quer revogar isso, e com urgência. É nesse mesmo ambiente que o Congresso se veste de herói para barrar o aumento do IOF que, se aprovado como queria o governo, poderia gerar bilhões extras em arrecadação, para custear mais despesas inúteis.
Até quando pagar?
O discurso até que é coerente: não se pode cobrar mais impostos de quem já paga tanto. Mas a coerência morre na curva seguinte, quando os mesmos deputados se recusam a abrir mão de penduricalhos e tentam garantir benefícios cumulativos que não existem nem no setor público tradicional. A lógica é simples: o povo não aguenta mais imposto, mas o Parlamento aguenta mais um privilégio. Essa é a moral do nosso tempo: austeridade seletiva. O cidadão deve pagar as contas. Os deputados, não.
Minha sempre excelente colega de O Antagonista, Catarina Rochamonte, escreveu e publicou um excepcional artigo nesta quinta-feira, 12, que merece leitura, reflexão e um quadro na parede. Vivemos, indubitavelmente, dias de infame conluio entre os Poderes com vias a, figurativamente, é claro, vilipendiar a população brasileira – neste caso, os brasileiros, praticamente mortos e não enterrados. Não que estes dias sejam recentes. Ao contrário. É assim há décadas. Mas a cara de pau dessa gente parece romper todas as barreiras.
No país em que a Suprema Corte tece elogios à ditadura chinesa, comungando o apreço do casal presidencial pela tirania de Xi Jinping, e um ministro usa IA para justificar seu voto, enquanto no prédio vizinho o ministro da Fazenda faz papel de palhaço, ao lado de outros, travestidos de congressistas, resta ao considerável público pagador de impostos comer pipoca diante do picadeiro, pagando ingresso de ópera no Alla Scala, de Milão, e conta de restaurante três estrelas do Michelin. Sem reclamar, para não ser processado e condenado por ironia.
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